sábado, 30 de julho de 2011

Capitulo XIII

Capitulo XIII

    Aquela piscina natural, onde Diana confiara tantas lágrimas continuava exactamente na mesma, como se o tempo tivesse parado ali. Era o seu muro das lamentações, o seu lugar de angústia e magia, onde a vida de Diana se começara a unir à vida de Duarte. Diana estava sentada no tão familiar último degrau a olhar o mar que entrava desavergonhadamente por entre as rochas altas, enchendo a piscina. As ideias flutuavam agradavelmente na sua mente sem que conseguisse captar alguma com clareza. A brisa acariciava-lhe o rosto moreno transmitindo uma paz relaxante que convidava os olhos a fecharem-se. Uma mão pousou no seu ombro e o sobressalto da surpresa sobrepôs-se à calma do momento.
- Olá! – Foram as únicas palavras que Diana conseguiu ouvir de Duarte. Parecia mágico, ele estar ali sem qualquer previsão nesse sentido. Diana sentia que as forças da terra estavam unidas naquele propósito de juntá-los.
- Olá Duarte! – Diana sentia a sua mente dormente. Todos os discursos que preparara para o momento de reencontro tinham-se apagado da sua memória.
- Não esperava encontrar-te aqui! – Duarte, após um momento de indecisão decidiu sentar-se no degrau ao lado de Diana.
- Este é o meu lugar! O meu muro das lamentações! Lembras-te? – Diana deixou aflorar nos lábios um sorriso que foi acompanhado pela felicidade do olhar.
- Lembro-me! Mas pensei que já não precisasses de um lugar destes!
    Diana encurtou a distância que os separava e entrelaçou os seus dedos nos de Duarte como tantas vezes o haviam feito. Duarte voltou a sentir todos os poros do seu corpo em alerta. Os seus sentidos aguçaram-se e a vontade de voltar a afogar o nariz na curva perfeita do pescoço de Diana foi quase impossível de controlar.
- Eu amo-te Duarte! – Diana finalmente exprimiu os seus sentimentos. E não tinha sentido nenhum dramatismo, nem pressão para fazê-lo. Fê-lo com a simplicidade que uma verdade constatada possui em si mesma, porque o que é simples é verdadeiro.
- Porque é que me estás a dizer isso agora, Diana? – Duarte sentia uma explosão de felicidade dentro dele, mas a desconfiança que sentia perante aquela declaração era mais forte do que qualquer outro sentimento.
- Porque é a verdade Duarte. É uma verdade antiga que devia ter sido dita mais cedo. – Diana sentiu-se insegura de repente. Aquele silêncio de Duarte mortificava-a e o seu olhar perdido no vai e vem do mar mostrava um homem ausente. – Não dizes nada?
- Agora que passou a primeira reacção às tuas palavras, consigo perceber o porquê delas. Agora já tens a vida que queres… Só agora é que encontras espaço para mim na tua vida perfeita…
- Estás a ser injusto Duarte! A minha vida sempre teve espaço para ti… Quando não estiveste aqui para preencher esse espaço, apenas ficou um vazio… Um vazio enorme! – Diana sentia-se agora impulsionada a falar. Queria resolver as coisas depressa… Sentia uma necessidade quase física de voltar a ter Duarte na sua vida. – Aquilo que tu viste… O beijo… Foi tudo um mal-entendido!
- Tu não percebeste nada! É evidente que aquele beijo que eu vi e nas circunstâncias em que vi… em que eu coloquei tanta esperança naquela surpresa, em que eu entrei naquele baile com o coração a bater de ansiedade de te ver feliz só por me teres ali… É evidente que aquele beijo me deixou mortificado. Mas se tu me tivesses procurado. Se me tivesses explicado, eu teria ultrapassado. O que me magoou mesmo foi a tua atitude de não lutares por mim… Tu nunca me procuraste. Pediste ao teu irmão para ir ao hospital uma semana depois de não falarmos… Uma semana inteira para sentires a minha falta… eu teria revirado o mundo se passasse um dia sequer sem notícias tuas… E depois nem uma tentativa de contacto… Foi nesta atitude que eu percebi que tinhas coisas mais importantes… Eu estava a dar-me uma importância que não tinha na tua vida… - Duarte sentiu a mágoa voltar a apoderar-se do seu peito e retirou a sua mão da de Diana com brusquidão.
- Tens toda a razão Duarte! E eu levei demasiado tempo a perceber o que é mais importante na vida… Eu tinha as minhas prioridades todas trocadas… Consigo perceber isso agora…
    Duarte sentiu uma esperança súbita. Se Diana tinha mudado, se tinha percebido que a sua obsessão com uma ascensão económica não era o mais importante, então ainda havia uma réstia de esperança.
- Voltaste para ficar Diana?
- Não! Só vim cá porque sabia que estarias de férias e tinha esperança de te encontrar!
    Duarte sentiu que era o momento certo para os dois. Abdicaria de todos os planos que fizera para o seu futuro para recomeçar uma vida com Diana. Ela estava a mostrar-se finalmente disponível para ele.
- Então não voltes Diana! – Duarte voltou a pegar nas mãos de Diana e beijou-lhe suavemente a ponta dos dedos, aproximou-se intimamente com um desejo súbito a pulsar-lhe nas veias e beijou-a com a ânsia de dois anos de espera. Quando se afastou um pouco para olhar aquele rosto que lhe estava gravado nas entranhas, encontrou a sua antiga Diana frágil com os olhos ainda fechados. – Fica aqui comigo!
    Diana levou alguns segundos a recuperar da emoção e com um sorriso que lhe iluminou o rosto sentiu que Duarte estava de volta à sua vida.
- Eu não posso ficar aqui… Mas volto em breve! Só tenho de ter mais um pouco de tempo... – Duarte não a deixou terminar. Levantou-se e foi-se embora. Ela queria-o novamente a part-time. Numa posição que lhe era confortável… confortável apenas para ela. Quando Duarte começou a subir os degraus virou-se para Diana com um olhar que a magoou. Ele olhou-a com uma tristeza que lhe pesou imediatamente na consciência. Teria preferido mil vezes que ele tivesse um olhar de ódio, mas aquela tristeza que lhe traspassou as feições atingiu-a como uma flecha.
- Sabes Diana, eu quero uma vida familiar estável… Eu quero passar o meu testemunho! – E com estas palavras Duarte virou as costas a uma segunda oportunidade.
    Diana não chorou. Não implorou. Não reagiu. Apenas voltou a focar aquela dança maldita das ondas que se balançavam numa harmonia provocadora. O que é que ela estava a oferecer a Duarte? Nada! Ela procurou-o sem ter preparado a sua vida para recebê-lo. Do que é que ela estava à espera? Meu Deus! Como poderia pedir ao homem que se disponibilizara para ela na totalidade e que mendigara um pequeno espaço na sua vida que continuasse nesse patamar? Ela sentia que estava a seguir o caminho errado, mas tudo lhe parecia impossível naquele momento. Ela não podia virar as costas à sua carreira, ao ordenado e bónus absurdos que tinha conseguido garantir, à sua pequena casa maravilhosa, ao olhar respeitador que outros empresários lhe deitavam quando avaliavam o seu trabalho. Ela tinha tudo aquilo que desejara ao longo de tantos anos. Como é que se podia dar ao luxo de fazer depender a sua felicidade de um homem? Não o podia fazer. Mas sentia um vazio, uma dor que lhe sufocava a vontade de gozar da sua boa vida. O lugar que Duarte deixara vazio começava a tornar-se num buraco negro que sugava tudo o resto.

    Diana queria aproveitar aquelas férias para se dedicar às pessoas que realmente lhe eram importantes. O café do Porto Pim continuava igual e o movimento de clientes condiziam bem com a época do ano. Diana entrou no café e depressa foi detentora de todas as atenções e carinhos. Os pescadores mimaram-na como ela merecia. A Guida e o Paulo deram-lhe um beijo rápido e voltaram-se para aquele movimento de gente. Até o Dr. Carlos se mostrou emocionada ao ver aquela rapariga que de um aspecto duvidoso lhe aparecia agora como uma verdadeira senhora. Diana que conhecia bem os cantos daquela casa pegou num avental, numa bandeja e começou a atender os estrangeiros que se acumulavam na esplanada. Sentiu uma leveza de movimentos que já há muito não lhe era comum, e os sorrisos começaram a moldar-lhe os lábios sem qualquer esforço. Diana atendia e trocava uns piropos com os turistas quase albinos em troca de umas gorjetas. E naquele momento Diana sentiu-se feliz, sem ter qualquer objectivo para atingir, sem ter uma pressão de concretizar grandes sonhos, sem precisar de fugir de misérias, sem que qualquer fobia se conseguisse instalar no seu espírito. A sua alma estava leve e os seus gestos fluíam sem preocupações tornando o seu semblante voador. Diana só voltou a sentir os seus músculos retraírem-se quando se sentiu observada e numa busca descarada de onde viria aquele olhar perturbador, Diana descobriu Duarte sentado numa mesa a observá-la com um sorriso palerma nos lábios. Diana dirigiu-se à mesa e com o seu mais sincero sorriso ofereceu os seus serviços.
- O que vai desejar o enfermeiro mais cobiçado das redondezas? – Duarte rasgou mais aquele sorriso agradado, mas pouco feliz.
- Uma Kima maracujá!
- Uma Kima! Ah! Há tanto tempo que não bebo uma dessas… Açoriano que é açoriano é leal aos seus produtos… - Diana foi buscar a bebida solicitada e aproveitou para fazer saltar a tampa a duas bebidas, uma vez que tinha intenção de acompanhar Duarte naquele refresco de fim de tarde. Quando voltou à mesa foi surpreendida por uma forasteira a passar a palma da mão descaradamente nos cabelos de Duarte. O beijo curto e natural que se seguiu e que foi aceite por Duarte com uma normalidade que fazia adivinhar a frequência deste acto, despertou em Diana o desespero da perda. Empinou o nariz e encheu-se de dignidade.
- Aqui está a bebida! Bom proveito! – Diana virou a costas com a altivez de uma rainha que fez Duarte sentir-se diminuído e impulsionando-o para fora da mesa tentando desculpar-se.
- Espera Diana! – Duarte agarrou o braço de Diana e conduziu-a para dentro do café que despertava tantas memórias agora que estavam ali de pé tão perto um do outro. Duarte concentrou-se nas suas desculpas. – Eu gostava que tivesses sabido de outra forma!
- Podias ter-me contado há dois dias atrás quando me rejeitaste! – Diana sentia que a sua altivez começava a fraquejar. – Eu pensei que estivesse a ser egoísta. Remoí a minha consciência em culpas… Afinal é muito mais simples. Tens outra pessoa na tua vida… Tudo bem Duarte!
- Ela chama-se Carla, é professora primária na Terceira… Vamos casar no final de Outubro. Ela tem os mesmos objectivos simples de vida que eu tenho. Eu quero ter finalmente a minha família Diana... – Duarte sentia verdadeiramente aquelas palavras. E vacilou perante a lágrima gorda que corria pela face de Diana.
    Diana levantou o seu olhar verde e penetrou a alma de Duarte com uma frieza que tinha adquirido ao longo dos tempos.
- Fico feliz por saber que vais casar por todos os motivos que não têm nada a ver com amor.
    Diana voltou as costas e decidiu que estava na altura de se redescobrir, de iniciar uma nova etapa sem a sombra de Duarte na sua vida!

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