Capitulo XXV
A festa de Nossa Senhora dos Milagres prometia uma noite animada. Depois
de um dia em que a população se vestiu a rigor para as cerimónias religiosas,
culminando numa procissão que ostentava o altar florido da Nossa Senhora do Rosário,
o arraial encerrava em si muitas promessas. Vanda estava sentada no sofá da
Dona Emília transmitindo as ordens para aquela noite. Todos vibravam com aquele
segredo e concentravam-se no que tinham de fazer. Matias mantinha uma
proximidade confortável que deixava Vanda segura da sua decisão. Ele estava
melhor na família que conhecia, e era melhor para Vanda ter um pouco de carinho
do filho, do que ter o rancor de um amor forçado. Estava orgulhosa da sua decisão.
Por vezes abdicar é a atitude mais sensata para se ser compensado.
- Vamos embora? – Sílvia e Tomás apressavam a saída daquela gente de casa
da Dona Emília.
- O Marco já deve estar a jantar com o Vasco nas tasquinhas. – Vera concertava
os calções tortos do filho Renato. – Já temos pouco tempo.
- Estás preparada amiga? – Vera Câmara e Catarina rodeavam Vanda numa
euforia alcoviteira.
- Vamos a isso minha gente! – Vanda levantou-se e as tropas seguiram-na.
Vasco petiscava morcelas com bolo de milho sentado debaixo da tenda improvisada
enquanto desabafava com o irmão.
- A Vanda foi muito sensata nesta história toda. Soube proteger o Matias sem
privá-lo de saber a verdade.
- É verdade Vasco! – Marco limpou com o guardanapo uma gota de vinho que
lhe escorria pelo canto da boca. – Se ela não tivesse exigido aquela conversa,
nós nunca teríamos tido coragem para contar a verdade ao Matias.
O Ti Joaquim passou pelos irmãos e cumprimentou-os naquele seu jeito
habitual.
- Oh malandro! – O velho dirigia o seu sorriso desdentado a Vasco. – Se levares
mais tempo a conquistar a professora eu ainda fico com ela antes de morrer. – O
olhar maroto brilhava perante aquele confronto divertido.
- E o que é que fazia com ela Ti Joaquim? – Vasco também lhe sorriu um
esgar maroto. – Só se fosse para ficar envergonhado…
O riso dos que passavam foi contagiante. A noite estava estrelada e as lâmpadas
da festa emitiam uma luz obliqua que cintilava divertida. O telemóvel de Marco tocou.
- É a Vera! – Marco mostrou-se admirado. – Mas o que será que ela quer? –
Carregou no botão verde e falou alto certificando-se que Vasco o ouvia. – O quê?...
Mas o raio do miúdo lembrou-se disso logo hoje… Pois eu sei, mas eu vou
apresentar a banda daqui a nada. – Marco afastou o telemóvel e dirigiu-se ao
irmão. – O Matias fugiu. A Vera diz que ele deve ter ido para o miradouro. Parece
que andou o dia todo a dizer que queria ir lá à noite ver as luzes... – Voltou a
concentrar-se no telemóvel. – Pronto, então vou ter de ir atrás dele, não é? Vou
ver se arranjo outro para apresentar a banda. Até já. – Quando Marco levantou
os olhos do telemóvel, o irmão já estava de pé.
- Nem penses que eu vou para cima daquele palco apresentar a banda! –
Vasco tirou uma nota da carteira e entregou-a a um rapaz com problemas de acne que
servia às mesas. – Tu é que te meteste nisso, tu é que vais passar vergonhas. Eu
vou buscar o Matias.
Vasco afastou-se a passos largos enquanto Marco se esticava na cadeira
sorrindo.
- És mesmo previsível mano!
Vasco caminhava a passos largos prometendo entre dentes um raspanete ao sobrinho
assim que o apanhasse. Quando chegou ao miradouro forçou a vista para ver
através do escuro. Um vulto mexeu-se à sua frente e Vasco dirigiu-se para ele.
- Não penses que te escapas pirralho! – Vasco agarrou um braço e quando o
seu rosto se aproximou o suficiente encontrou Vanda a olhar para ele com uns
olhos negros de lince. Um arrepio de surpresa e proximidade percorreu-lhe o
corpo e ele puxou-a mais para si.
- Esperavas encontrar outra pessoa? – A voz irónica dela ecoou-lhe nos
ouvidos com uma familiaridade que ele desejava. Vanda foi dando uns passos para
trás encurralada por Vasco que a cada passo de recuo ele investia um passo de
proximidade. Ela acabou por encontrar o muro atrás dela. Ele encostou-se mais
sem nunca descolar o olhar do dela. A vila em baixo luzia uma festa desejada
pelo ano inteiro. Vasco colou cada uma das suas mão no muro deixando Vanda sem
escapatória, e sentiu que todo o seu corpo reagia a ela, desejando-a. Quando os
lábios se roçaram todas as luzes da vila se apagaram. Vasco agarrou Vanda num
instinto protector que a agradou.
- Mas que raio de momento para faltar a luz – Vasco tinha surpresa na
voz. Vanda rodou o seu corpo de forma a fica de costas para Vasco e encaixou-se
nele deixando-o envolve-la pelos seus braços.
- Não poderia haver melhor momento. – O não entendimento de Vasco foi
abafado por umas luzes que se acenderam no fundo da vila. As luzes eram
erguidas por muitas mãos e formavam uma frase: Ainda queres casar comigo?
Vasco riu alto e encostou o seu rosto ao de Vanda apreciando aquele
momento. E depois de lhe mordiscar o lóbulo da orelha sussurrou-lhe.
- Como é que conseguiste mobilizar toda esta gente?
- Eu tenho os meus encantos. – Vanda sorria uma felicidade plena vivida
pelas emoções e pelos seus sentidos que sentiam Vasco e os seus olhos admiravam
aquela frase enorme que cintilava na escuridão.
As luzes da cidade voltaram juntamente com a música e a animação.
Vasco virou Vanda para ele. Queria ler-lhe as expressões dos olhos, os
contornos dos lábios. Roçou o seu polegar naquele queixo sedoso e finalmente
beijou-a sem pressas.
- Ainda não respondeste…
- A minha resposta está no envelope que te entreguei.
Vanda abriu muito os olhos. Tinha-se esquecido do envelope. Não sabia o
que continha.
- Não o abri!
- Não faz mal, eu sei de cor o que te escrevi: Hoje eu estou aqui ao teu
lado da mesma forma que estarei amanhã. Porque quero caminhar lado a lado
contigo, atravessar as mesmas pontes, ultrapassar todas as curvas e contra
curvas e ver-te sorrir ao meu lado em todos os nasceres de um novo dia.