sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Capitulo XIV - Nas Asas do Corvo



Capitulo XIV

O sangue fervilhava-lhe nas veias e o esforço que fizera para escorraçar Daniel da sua casa ainda lhe pesava nos membros. Vanda deixou-se cair de rabo encostada à porta que acabara de fechar. Os seus olhos miraram aquela sala pequena e agradável que tem sido o seu lar. As paredes escuras de basalto pareciam reflectir a sua alma. Ela respirou furiosamente com as narinas dilatadas e as bochechas demasiado rosadas, antes de chorar de uma forma histérica. Estragaste a tua vida, sua estúpida, e agora queres remediar os teus erros dessa forma ridícula  Esta vozinha que tinha conseguido afastar com tanto esforço ria-se agora da sua miséria. A caixa de comprimidos para dormir pereceu-lhe naquele momento a sua melhor alternativa. Aproximou-se da bancada da cozinha e encheu um copo com água, fazendo-a perceber como as suas mão tremiam. Havia passado já algum tempo desde que recorrera à ajuda daquele calmante. Deitou-se na cama e esperou o efeito relaxante que não tardou, mergulhando-a num sono profundo.


Faltava apenas dois dias para o Natal, e Vanda podia adivinhar uma noite triste e solitária. Era assim desde a morte dos seus pais. A solidão era sentida numa plenitude assustadora não deixando lugar para outros sentimentos. Vanda começava a antecipar o pesadelo que aquela noite significava, sozinha a chorar as suas misérias. Queria convencer-se de que se tratava de uma noite como outra qualquer, mas nunca conseguia reduzir aquela noite especifica à insignificância de todas as outras noites. O peso das recordações e a saudade invadiam-na como os fantasmas do avarento Ebenezer Scrooge.
As pancadas na porta sobrepuseram-se ao cair austero da chuva. Vanda arrastou-se preguiçosamente para abri-la.
- Olá! – Vasco entrou e sacudiu-se da chuva como se fosse um cão vadio, respingando toda a entrada. Vanda revirou os olhos. Por muito que ele se esforçasse não conseguia deixar de ser desleixado. – Convidas-me para o almoço?
- Tenho alternativa? – Vanda depositou-lhe um beijo leve, mais por uma questão de hábito do que de espontaneidade.
- Tens… Mas não seria a mesma coisa. – O sorriso fácil de Vasco tinha um poder sobre ela como se a electrizasse. Vasco abraçou-a por trás, afastou o cabelo com a ponta dos dedos e depositou-lhe um beijo na cova do pescoço. Vanda fechou os olhos e sentiu aquele encostar de lábios em todos os nervos do seu corpo. Finalmente sorriu também.
- Eu sou irresistível! – Vasco encheu o peito de um orgulho macho.
- És um convencido. Essa é que é essa. – Vanda esqueceu-se por umas horas da noite de Natal que se avizinhava e entregou-se à conversa fácil e banal de Vasco. Sentiu-lhe uma vibração diferente, como se a sua alegria não fosse tão natural como nos outros dias. Por entre os sorrisos malandros e os olhares marotos, ela jurava que lhe trespassava uma preocupação qualquer.
- Passa-se alguma coisa Vasco? – Vanda comia o borrego feito no forno com batatinha, enquanto Vasco brincava com a comida sem muita vontade, contradizendo o Vasco de apetite permanente que ingere qualquer coisa comestível ou duvidosa.
- É o Matias! – Vasco deixou cair finalmente o garfo dentro do prato.
- O que tem o Matias? Fez alguma das suas mausuras? – Vanda sorriu-lhe tentando minimizar a preocupação dele. – Os miúdos estão sempre a meter-se em sarilhos. É essa a função deles. E os adultos devem repreendê-los de forma a que aprendam a evitar aqueles sarilhos novamente. Depois os garotos inventam novos sarilhos, porque já aprenderam a evitar os antigos sarilhos e lá vêm novamente os adultos com a sua sensatez… É assim mesmo… Um ciclo vicioso até as crianças se tornarem adultas e pensarem que já sabem tudo.
Vasco sorriu-lhe mas os olhos continuaram preocupados.
- Ele anda novamente muito cansado. Parece que o fantasma da leucemia está novamente a pairar no ar. A Vera foi hoje com ele ao médico e as análises estão alteradas. Vão para Lisboa no dia de Natal. – Vasco deixou que os sentimentos lhe rasassem os olhos de um par de lágrimas que não evitou. Vanda sentiu que o seu coração parava.
- A Vera já me tinha dito que ele tinha tido leucemia, mas pensei que já estivesse curado…
- E esteve… Mas nós sabíamos que existia sempre a hipótese de a doença voltar. – Vasco afastou finalmente o prato e esticou os cotovelos em cima da mesa, posando a cabeça entre as suas mãos grandes. Vanda aproximou-se dele a afagou-lhe o cabelo demasiado comprido e ainda húmido da chuva como se aquele gesto pudesse absorver aquele medo. – Já passamos por isto uma vez. Não quero voltar a passar por tudo. O Matias é só um miúdo  Existe tanta gente má no mundo que merecia ser castigado e andam por aí a gozar de boa saúde  – Vanda continuava a acariciar-lhe o cabelo enquanto absorvia aquelas palavras. – Isto é tão injusto. Olho para o Marco e para a Vera e vejo um casal que luta todos os dias para aguentar aquela casa saudável, para manter os filhos longe dos problemas, para manter um casamento precipitado… Eles lutaram sempre… Mereciam ter agora algum conforto, algum descanso de tanta luta.
- A Vera disse-me que tu tens sido muito importante na vida deles.
- São a minha família. Eu sou o que faço menos pela família… O Marco casou-se. Já deu três netos aos meus pais. E luta para manter a sua família no caminho certo… Luta todos os dias… Isto é que devia ser apreciado nesta história e não uma ajuda que é dada de vez em quando. O Marco e a Vera dão de si todos os dias por aqueles miúdos e este é que é o acto heróico. – Vasco levantou finalmente a cabeça.
- As pessoas concentram-se demasiado em gestos grandiosos, quando são os gestos corriqueiros que sustentam o mundo.
- É exactamente isso que eu estava a tentar dizer… Mas tu conseguiste colocar mais inteligência no argumento. – Vasco sorriu-lhe finalmente, mas já nenhum dos dois sentia alegria. – A Vera num dos seus ataques de nervos que um casamento e três filhos lhe provocam, teve uma vez uma resposta linda. Estávamos numa noite quente de Agosto no Festival dos Moinhos à espera que começasse o concerto dos Quinta do Bill com mais alguns amigos, quando vimos um novo casal. Para além da novidade ficámos espantados porque a mulher era casada e tinha uma filha e nenhum de nós sabia que ela se tinha separado. Então chegou a Sílvia com as novidades já todas sabidas e emocionada com a história deles. Contou-nos que ele era da ilha das Flores e que tinha deixado a mulher. Disse que era um amor que já durava desde os tempos de adolescentes e que agora tinham decidido recomeçá-lo. Lembro-me que a Sílvia usou estas palavras “É uma história de amor tão bonita. Namoraram na adolescência. Casaram com outras pessoas e cada um teve um filho… Até foram ao casamento um do outro. E agora estão juntos novamente. É lindo. ” A Vera ficou vermelha de irritação e explodiu mais alto do que devia: “ Lindo é ter um casamento de quase quinze anos e lutar por ele todos os dias, enfrentando as más disposições, os ciclos menstruais, as depilações por fazer, os arrotos e peidos na cama… E mesmo assim continuarem lado a lado a apoiarem-se e a respeitarem-se para o resto das suas vidas… Isto é que é lindo! Mas este mundo anda ao contrário e acha que uma verdadeira história de amor é aquela em que eu vou para a cama contigo , mas caso com outro de quem tenho filhos e depois volto para o meu primeiro amor… Deixem que eles comecem a ver as misérias um do outro e vamos ver a beleza que isso é…” Como é evidente todos aplaudiram… não sei bem se foi pelas palavras dela ou se pelo o álcool que já corria nas veias...
Ambos riram. Vanda gostava daquela família  Uma família unida que ela provavelmente destruiria e sentia-se culpada por isso.
- Amanhã é noite de Natal! – Vasco tocou naquele assunto e o sorriso abandonou instantaneamente o rosto de Vanda.
- Pois é…
- Eu vim aqui porque queria muito que passasses a noite lá em casa.
Vasco iluminou-se com a surpresa visível na expressão de Vanda.
- Mas tu vais passar a consoada com a tua família…
- Deixa-me corrigir-te. Eu vou passar a consoada com as pessoas que amo…
Vanda sentiu que o seu peito se enchia de algo que não conseguia explicar. Era uma explosão de alegria que a fazia querer chorar e rir ao mesmo tempo. O nervosismo turvava-lhe a vista e os pensamentos. Vasco estava a dizer-lhe de uma forma muito subtil que a amava… Foi isso que aconteceu, não foi?
- E é claro que a minha família também faz questão que lá estejas…
Vanda atirou-se para os braços de Vasco e beijou-o com uma intensidade que o queimava. Levantaram-se da mesa de uma forma desajeitada sem se largarem. Vanda fez deslizar a sua mão sobre a mesa fazendo cair um copo no chão, partindo-se em mil pedaços… Mas nenhum dos dois lhe deu importância. As mãos de Vasco procuraram a pele de Vanda por debaixo da camisola de lã, enquanto os dedos de Vanda se emaranhavam no cabelo rebelde de Vasco. Chegaram ao quarto aos tropeções, e Vasco afastou-se um pouco. Fez os seus dedos subirem em contacto com a pele dela pela barriga elevando-se pelo seu corpo enquanto a libertava da camisola. Olhou-a com desejo e satisfação e aquele olhar queimava-a. Vasco percorreu o seu pescoço com os lábios húmidos e foi descendo libertando-a das calças largas, fazendo-a sentir-se possuída por corrente eléctrica misericordiosa que só se fazia sentir nos pontos certos. Os corpos tocaram-se e balouçaram-se numa necessidade de se saciarem um do outro e um véu de humidade cobriu-lhes a pele de satisfação. Por fim Vasco aconchegou Vanda na cova do seu braço.
- Eu amo-te Vanda. – Ela sentiu verdade naquelas palavras e a emoção de ser capaz de provocar amor em alguém foi demasiado para que ela pudesse responder.
A véspera de Natal clareou numa promessa intensa. O dia estava claro e deixava o frio visível numa geada frágil que cobria as ervas resistentes da calçada. Vanda entrou na carrinha de Vasco com a felicidade de quem não passaria a noite de Natal sozinha. Tinham decidido que iriam para casa dos pais de Vasco de manhã de forma a ajudarem nos preparativos para a ceia, e Vanda sentia-se nervosa. Levava os sacos com as prendas. Tinha comprado prendas para toda a família de Vasco num impulso que achara exagerado na altura, mas agora congratulava-se por tê-lo feito.
- Achas que os teus pais vão gostar de mim?
Vasco soltou uma gargalhada alta.
- Oh querida, se eles não gostassem tu já o saberias. Acredita em mim… Enquanto a dona Emília continuar a mandar-te ovos, linguiça e batatas, é porque gostam de ti…
- Ela é que me manda essas coisas? – Vanda parecia verdadeiramente surpreendida.
- Claro! Quem é que tu achavas que te mandava isso?
- Pensei que fosses tu a comprar… Já que comes lá em casa… E não comes pouco… - Vanda sentia-se dormente no raciocínio  – Mas pensei que fossem compras que, na qualidade de cavalheiro tivesses a gentileza de trazer.
- Nop! Sempre que levo qualquer coisa, são miminhos da sogrinha! – E lá estava o seu Vasco com o seu sorriso malandro, exactamente como ela gostava.
A casa tinha um barulho de fundo familiar de vozes que se confundiam em sussurros e gargalhadas que se corporizaram numa imagem de intimidade simples partilhada por uma família especial numa cozinha gigante que aqueceu o coração de Vanda.
- Oh querida! Entra… - A dona Emília recebeu-a com os  braços literalmente abertos, e Vanda sentiu um conforto antigo naquele abraço quente. – Não ligues à confusão… A Vera tem uma nova receita e está a torturar a minha cozinha…
- Quando provarem o meu novo doce, vão abençoar esta balbúrdia  – Vera limpou as mãos na beira do avental e depositou um beijo na bochecha de Vasco e outro na bochecha de Vanda.
- O que é que estás a preparar Vera?  - Vanda mostrou-se interessada naquele processo.
- Floresta Negra… - Vanda sentiu o calor do passado ainda mais próximo. Ela costumava fazer aquele bolo com a mãe que colocava Vanda em cima de uma cadeira e deixava-a raspar o chocolate negro fingindo não ver que ela comia grandes bocados de chocolate, mesmo quando lhe limpava a boca de um castanho intenso. “ Uma tablete inteira só deu estas raspas?” Vanda fechou os olhos e sentiu a voz da mãe perto do seu ouvido. Cheirava à sua antiga cozinha e a mãe sorria-lhe quando ela encolhia os ombros inocentemente engolindo à pressa o último quadrado do chocolate.
- Eu costumava fazer esse bolo com a minha mãe.
A dona Emília sentiu a saudade tremida naquela voz sumida.
- E agora vais fazê-lo connosco  Foi Deus que te enviou para as nossas vidas. Pode ser que consigas salvar a minha cozinha. – Os miúdos entraram na cozinha aos pulos e todos a gritarem ao mesmo tempo. Vanda olhou para Matias com o rosto pálido e os olhos encovados e sentiu-se encolher. Beijou os irmão dele fazendo-os corar e depois, adivinhando que Matias não conseguia corresponder às brincadeiras, convidou-os a ajudarem-na na cozinha.
- Quem quer ajudar a fazer um bolo? – Os irmão mais velhos esquivaram-se praguejando “Isso é coisa para as mulheres…”, mas Matias deixou-se ficar na cozinha. Vanda sentou-o confortavelmente numa cadeira e deu-lhe o chocolate negro com uma taça e um raspador, encarregando-o daquela tarefa. Matias meteu um quadrado de chocolate na boca, provocando uma gargalhada em Vanda que lhe piscou um olho cúmplice. Todos ficaram radiantes com os doces que Vanda fez. Ela sempre tivera jeito para doces. Quando era criança, passava horas com a mãe na cozinha fazendo bolos por encomenda, de forma a ganharem mais uns dinheiros. “As receitas dos livros dizem para usar óleo de forma a que o bolo fique mais fofo, mas perde o sabor. Deves usar sempre manteiga e o segredo está em separar os ovos. Junta-se primeiro as gemas e só no fim é que juntamos as claras batidas. O bolo fica mais consistente.” Vanda recordou o cheiro quente de bolo e creme de manteiga. “ Tão pequenina e já tens tanto jeito… Vais ser a melhor pasteleira de Paris!” E Vanda quis ser pasteleira. Era a profissão desejada para quando fosse crescida… e esquecera-se disso. Como podia ter-se esquecido dos seus sonhos de infância? Como pode a vida turvar-nos os desejos mais inocentes e sinceros. De repente sentiu vontade de estar novamente naquela pequena cozinha no pequeno apartamento da porteira de um lindo edifício de paris, sonhando pequenos sonhos e desejando coisas simples, porque é na simplicidade que encontramos a verdade… e ela só queria ser pasteleira.
A sala de estar estava decorada com um grande pinheiro cheiro de enfeites e postais. Vanda reparou que estavam todos os postais de Natal feitos pelos miúdos desde que entraram para a primária. Os resto da sala estava cheia de enfeites que não condiziam uns com os outros e não obedeciam a nenhum padrão. Adivinhava-se que aquilo era obra dos três rapazes. Aquela desorganização não chocou Vanda, pelo contrário, Aqueceu-lhe a alma.
Ela estava sentada confortavelmente no sofá e espreitava Vasco pelo canto do olhos encostado à janela conversando com o irmão com um ar demasiado sério. Matias tinha adormecido encostado a ela. Tinha um ar calmo e ela sentiu uma pontada de amor por aquele menino, que respirava calmamente um sono profundo.
- Ele agora dorme muito! – a Dona Emília sentou-se no braço do sofá pousando uma mão no ombro de Vanda.
- Vai correr tudo bem… - Vanda não era capaz de encontrar melhores palavras.
- Hoje quero que seja tudo perfeito. Quero que o meu neto leve amanhã no coração todo o amor que temos por ele. E quando ele estiver novamente nos tratamentos, quero que ele se lembre desta noite e que deseje muito voltar para nós… - Vanda apertou a mão da Dona Emília e trocaram um olhar sentido. – Agora vamos ao que interessa. Tenho aqui um álbum de fotografias…
Vanda abriu o álbum e percorreu-o pormenorizadamente com a Dona Emília  A infância de Vasco estava ali descrita. Riram, recordaram, sorriram e partilharam o amor que as ligava àquele homem.
A noite anunciou-se num prenuncio cheiroso. A alcatra perfumava a casa num ambiente familiar. A mesa posta vibrava de agitação e todos se regalaram com as lapas grelhadas, os bifes de peixe porco e a alcatra. Os doces foram comidos e repetidos.
- Não sabia que eras capaz de fazer estas iguarias. – Vasco trocava caricias subtis frequentemente com Vanda.
- Ainda não sabes tudo a meu respeito! – aquelas palavras de duplo sentido soaram-lhe mais a uma advertência do que a uma provocação. Mas ninguém reparou no seu tom, já que todos se riram.
Os três irmão apressaram o jantar e imploraram para abrir os presentes. Em atenção ao estado de saúde de Matias, os adultos foram condescendentes. Abriram as prendas numa sofreguidão própria da ansiedade infantil. Os irmãos mais velhos não deixavam Matias para trás, ajudando-o sempre que este precisava. Sempre que do pacote saia roupa todos torciam o nariz. Mas alegraram-se com o MP3 e com os skates. No fim, Vanda tirou as prendas que tinha comprado e entregou a todos. Ofereceu uma moldura à Dona Emília, um lenço a Vera, uma camisola a Marco, umas pantufas ao futuro sogro, e por fim entregou as prendas dos meninos. Quando abriram emitiram gritos de alegria e de incredulidade.
- Olha mãe! Uma consola… - O sorriso de Matias iluminou-se.
- Oh Vanda! Mas isto é demais… - Vera não sabia o que dizer. Sentia-se constrangida. Aquela mulher que mal conhecia oferecera uma consola, das mais caras, a cada um dos seus filhos.
- Não é nada… Se não fossem vocês, estaria a passar esta noite sozinha! – Mas ela estava com eles, num ambiente familiar que a resgatara de uma procissão de consoadas solitárias. Vera baixou o olhar. Não tinha oferecido as consolas aos filhos porque os tinha castigado pelas notas baixas, mas a verdade é que ao olhar para Matias fraco e sem grandes alegrias teve vontade de esquecer o castigo. Agora não tinha coragem de os privar daquela brincadeira.
- Obrigada Vanda! – Vera abriu-lhe os braços num aperto estreito que estremeceu com o intimo de Vanda e a sensação de segurança e de que tinha chegado à meta da sua maratona descansou no seu espírito.
- Agora é a tua vez de receberes as prendas! - Vanda admirou-se e olhou para a sogra que lhe esticou um envelope. Vanda abriu o envelope curiosa e retirou um cartão onde só constava a palavras "Queres". Vanda olhou para a dona Emília e para o marido com a confusão transparente no olhar e antes que pudesse questionar, Vera esticou-lhe outro envelope. Vanda aceitou-o com a curiosidade estimulada no seu ponto máximo. Um novo cartão com uma nova palavra "casar". Vanda abriu os olhos num misto de incredulidade e antecipação. Olhou para Vasco à procura de um esclarecimento e Vasco baixou um joelho à sua frente esticando-lhe uma caixa simples de veludo azul. Vanda sentiu o seu coração disparar. Pegou na caixa com cautela como se a fosse queimar e finalmente abriu-a. Os seus olhos rasaram de lágrimas quando viu na tampa da caixa a última palavra, "comigo". A sua visão turvou-se por força das lágrimas, e o seu espírito inquietou-se. Olhou à sua volta para aquela família que ela desejava tanto e que começava a amar e sentiu-se miserável. Não podia aceitar... Não podia fazer parte daquela harmonia, quando se preparava para destruí-los. Abanou a cabeça em negação, entregou a caixa a Vasco e saiu daquela casa a correr deixando no ar apenas a negação.
- Eu queria tanto aceitar... Mas não posso!