terça-feira, 19 de julho de 2011

CAPÍTULO XI

Capitulo XI
    Diana recebeu o seu irmão querido e os seus verdadeiros amigos com um carinho e atenção extremosos. Eles queriam participar pessoalmente naquele dia maravilhoso que marcaria o fim da sua licenciatura tão desejada e tão suada. Diana prezava e alimentava cada uma daquelas amizades diariamente, não querendo cometer o mesmo erro que havia cometido com Duarte. O espaço que se abriu na vida de Diana foi preenchido com uma dedicação extrema e por vezes doentia ao trabalho e ao estudo, culminando num resultado de excelência nos lucros do hotel e num orgulho paternal em todos os docentes da faculdade de economia.
- Ainda não estás pronta Raquel? – Diana gostava de arreliar a amiga que em ocasiões importantes sofria de stress crónico.
- Não tenho nada para vestir. O Pedro vai achar-me uma pelintra se me vir neste vestido horroroso que comprei para hoje… Mas que raio é que me passou pela cabeça para comprar esta porcaria! – Diana reprimia uma gargalha ao olhar para aquela bagunça de roupa que se espalhava em cima da cama de Raquel.
- Isto faz-me lembrar o baile de finalistas… Não mudaste nadinha beta!
- Então ajuda-me a escolher o que vestir! - Diana atirou-lhe o vestido que Raquel tinha comprado propositadamente para a ocasião.
- Este vestido é lindo! Não inventes problemas! – Diana ajudava a amiga a enfiar-se dentro daquele vestido azul enquanto desabafava. – Tenho tanto orgulho em nós Raquel…
- Também eu, Diana! – Raquel sentiu uma emoção que ameaçava estragar-lhe a maquilhagem. – O Bernardo foi muito gentil em organizar este jantar de comemoração no hotel. Nunca imaginei que tivéssemos tantos amigos que fizessem questão de estar presentes no fim da nossa licenciatura.
- A sala do restaurante vai estar cheia. – Diana não conseguiu evitar um sorriso triste ao lembrar-se que Duarte não estaria presente. Já se havia passado mais de um ano e Duarte continuava a ocupar exactamente o mesmo lugar nos sentimentos de Diana. Era como se existisse um fio invisível que a ligasse a ele, e Diana não conseguia cortar esse fio para ligá-lo a outra pessoa.
    Os pais da Raquel, José Gaitinha, Manuel, Mário, Guida e Paulo estavam todos hospedados no hotel a convite de Bernardo. Só Pedro estava no pequeno apartamento com as raparigas, uma vez que não desperdiçava um único momento para estar perto da sua Raquel. Ele tinha grandes planos para aquela noite. Arranjou-se com um aprumo excessivo, preparando-se para uma noite que iria ocupar um lugar especial nas memórias da sua vida. Finalmente sentia que podia dar a Raquel a vida que ela merecia. Com a ajuda da irmã, possuía neste momento o monopólio de todos os serviços relacionados com o ramo automóvel nas três ilhas que formavam o triângulo do arquipélago. Tinha um negócio de vendas de automóveis com serviços de oficina e rent-a-car que garantia emprego a dezenas de pessoas. Ele tinha ajudado a irmã a sobreviver e a seguir os seus sonhos e ela tinha-o presenteado com a partilha da sua força sobre-humana e juntos estavam a conquistar tudo aquilo que o início das suas vidas lhes tinha ameaçado privar.
- Vamos meninas que estamos a ficar atrasados. – Pedro gritava da sala como se o quarto onde elas acabavam os últimos retoques ficasse a léguas de distância. Quando Pedro teve o privilégio de deslumbrar os olhos com a visão da sua Raquel naquele vestido azul em que o corpete justo salientava os seios, teve a certeza de que aquela seria a noite certa.
   A entrada no restaurante do hotel foi feita com uma recepção que floriu em aplausos e algumas lágrimas. Diana parou uns segundos à entrada da sala para saborear aquele momento com um snobismo que se deu ao luxo de sentir. Novamente tinha sido capaz de juntar numa mesma sala pessoas de diferentes quadrantes sociais. Estavam reunidos num hotel de luxo pescadores desdentados que comiam de boca aberta e que partilhavam histórias da vida dura e sofrida de Diana com professores catedráticos. Os pescadores assim que a viram correram ao encontro dela.
    - Ah bicha! Estou tão orgulhoso de ti! – José Gatinha abraçava aquela menina com a emoção do mais dedicado dos pais.
    - Diana! Diana! Tu encheste a vida destes três velhos! Desde que apareceste nas nossas vidas que nunca mais fomos os mesmos. És o orgulho das nossas vidas! – Mário esticava-se para lhe dar beijos ruidosos na testa enquanto acompanhava José nas lágrimas emocionadas.
    - Sabes Diana! Alegra-me muito que nos recebas de braços abertos sem vergonha de nós Diana! – Manuel com o peito cheio esforçava-se para não mostrar a emoção. – Foste a única aposta bem-sucedida nas vidas destes velhos. – E com estas palavras foi impossível evitar as lágrimas, que num abraço apertado a quatro, foram partilhadas. Guida e Paulo juntaram-se ao grupo e às emoções e foi nesta partilha que Bernardo encontrou Diana. Quando esta conseguiu recompor-se e encontrar novamente as funções das suas cordas vocais estranguladas passou às apresentações. Apresentou um dos empresários hoteleiros mais bem-sucedidos do país àquele grupo de gente humilde e brilhou de orgulho quando percebeu que aquela gente conquistava a simpatia de todos aqueles que tinham o coração aberto e não sofriam de preconceitos.
    O restaurante apresentava um conjunto de mesas grandes redondas, em que no centro se situava a mesa maior onde se sentava Diana e Raquel com as respectivas famílias e amigos próximos. Nas outras mesas estavam muitos colegas de curso de Raquel que a tinham acompanhado naquela jornada, quase todos os professores de Diana e os empregados do hotel. Não havia uma única pessoa dentro daquela sala a partilhar aquele momento cuja estima Diana não tivesse conseguido conquistar, e perante a evidência deste facto Diana sorriu interiormente percebendo o quanto ela era capaz de ganhar.
    O jantar decorria num envolvimento barulhento de talheres e burburinhos.
- Obrigada por este momento maravilhoso Bernardo! – Diana sussurrou este agradecimento de forma sentida.
- Eu é que agradeço a oportunidade de conhecer um mundo de afectos e lealdades que nunca me acompanhou ao longo da vida. – E dito isto, Bernardo voltou a sua atenção à conversa que estava a ter com José Gaitinha. Bernardo estava a criar uma afinidade com aquele velho e ria-se das histórias voluntárias que Gaitinha ia contando.
- Eu bem dizia que tu ainda me havias de levar a comer em sítios finos. – Gaitinha gabava-se das suas previsões.
- Mas só porque te portas como um verdadeiro cavalheiro José. - Diana arreliava-o fazendo as delícias dos presentes.
- Nunca imaginei que um lugar fino como este servisse comida normal. – Este comentário de Mário provocou uma gargalhada geral na mesa.
- Então Mário? O que é que pensava que eu servia no meu restaurante? – Perguntou Bernardo com uma curiosidade crescente.
- Ora! O que agente vê nos filmes que mostram os comeres dos ricos! Aquilo é uma aguinha com uma folhinha a boiar e depois é um prato demasiado grande para tão pouca comida!
    A gargalhada alastrou-se e provocou um burburinho de comentários e opiniões, que só foi interrompido por um tilintar. Tratava-se de uma colega de Raquel que pedia a atenção dos presentes.
- Na qualidade de presidente da Associação Académica queria agradecer a dedicação, trabalho e o contributo que a Raquel deixa nesta instituição. Preparámos uma pequena surpresa de despedida. – E este foi o sinal para a entrada da tuna masculina da faculdade de psicologia que se colocou solenemente em frente às duas finalistas e começou a tocar o fado da despedida. Só agora naquele momento Raquel sentia o peso daquelas palavras e a tristeza daquela melodia. Para ela era o fim da sua vida em Coimbra. Ela ansiava voltar ao Faial e começar lá uma nova etapa, mas não conseguia evitar a nostalgia do momento. “ Coimbra tem mais encanto na hora da despedida”.
    Pelo meio dos tocadores, Pedro surgiu e finda a música, ele colocou um joelho no chão como manda a tradição que nunca lhe foi ensinada e com uma caixinha esticada na direcção de Raquel formalizou o pedido que lhe traria uma das maiores alegrias da sua vida.
- Raquel! Queres começar esta nova etapa da tua vida comigo? – E com a voz trémula o pedido saiu-lhe dos lábios com a emoção própria do momento. – Aceitas casar comigo?
    Raquel atirou-se nos braços de Pedro sem o deixar levantar e sem ter sequer olhado para o conteúdo da caixa. O anel não importava. O que lhe importava era o sentimento e perspectiva futura de vida que os unia.
- Bem… Suponho que seja um sim! – Foi o pai de Raquel que concluiu a resposta que ficou por verbalizar. – Hoje é uma noite de grandes comemorações… Mesmo que viva cem anos nunca vou esquecer estas emoções… - E virando-se para Bernardo o Dr. Guilherme continuou. – Você sabe como dar uma festa meu caro… - E erguendo o seu copo cheio suscitou sem palavras um erguer voluntário de todos os copos daquela sala e o brinde foi formalizado entre desejos de felicidades aos noivos e de sucessos às finalistas.

    Era conformismo, aquilo que lhe pesava no peito. O mais vulgar dos sentimentos apoderava-se de todo o seu ser. Diana sentia-se de uma grandeza de espírito e capaz de tudo, mas quando pensava na sua vida amorosa era apenas conformismo que encontrava. Era um sentimento frustrante e ao mesmo tempo fácil, que a isentava de qualquer culpabilidade. Mas este conformismo estava a transformar-se em arrependimento.
- Diz-me uma coisa Guida! – Diana passeava com os seus conterrâneos por Coimbra. Percorriam vagarosamente os jardins da Quinta das Lágrimas e Diana pegou no braço de Guida e afastou-se um pouco.
- O que é que te apoquenta? – Guida deixou o braço de Diana entrelaçar-se no seu começou a afagar a mão da rapariga num gesto que intuía uma necessidade de demonstração de apoio.
- Nunca mais soubeste nada do Duarte? – Diana finalmente formalizava o pedido que lhe atormentava o espírito. Tratava-se principalmente de um pedido de notícias.
- Ele já foi passar férias ao Faial por duas vezes, e vai sempre ao café.
- Ele disse-te porque é que se afastou de mim daquela forma Guida? Achas que eu estava a ser demasiado egoísta, sempre a pensar em mim, sempre a falar de mim? Achas que ele se fartou de mim? – Diana sentia uma palpitação acelerada no peito antecipando aquela resposta.
- Tu não percebeste nada Diana! Tu portaste-te muito mal com o Duarte, mesmo sem saberes! E mesmo assim se tivesses lutado só um bocadinho ele perdoava-te tudo… - Guida deixou de acariciar a mão de Diana.
- Perdoava o quê? – Diana deixou de tentar conter a angústia. Sentou-se nas raízes volumosas da Árvore-da-borracha cuja sombra foi testemunha de uma grande história de amor entre D. Pedro e D. Inês de Castro.
- Tu começaste a afastar-te dele, Diana!
- Mas eu amava-o tanto Guida! Não é justo que ele tenha desconfiado disso!
- Ouve-me até ao fim! – Guida pegou no queixo de Diana e fê-la focar o seu olhar no dela. Queria que Diana percebesse o quanto tinha magoado Duarte, e queria ver a reacção da rapariga face esta constatação. – O Duarte tirou férias na Páscoa para poder estar contigo. Mas tu estavas demasiado ocupada por aqui, com o teu novo trabalho, com o teu curso… E como ele estava cansado de esperar a altura certa para um telefonema, a altura certa para uma visita, a altura certa para uma simples troca de palavras afectivas, resolveu vir passar as férias da Páscoa contigo.
- Mas ele não veio! Porquê?
- Aí é que tu te enganas! Nos dias antes da viagem ele só planeava como te havia de surpreender. Queria que fosse numa altura em que visse a felicidade luzir no teu olhar só pelo simples facto de ele estar ali. Na véspera fui com ele comprar um fato todo janota, e ele decidiu que te surpreenderia no baile que tinhas depois de um jantar de trabalho. – Guida ficou a olhar para Diana à espera de uma reacção de compreensão que não obteve. – Lembras-te do que aconteceu nesse baile?
- Eu não vi o Duarte nessa noite! Não estou a perceber! – Diana fazia um esforço de memória e tinha a certeza de que não tinha visto Duarte nessa noite. Estava baralhada nas ideias, ansiosa por compreender e um pouco feliz por saber que Duarte tinha sido capaz de um gesto daqueles por ela.
- Ele entrou no baile e viu-te a beijar outra pessoa. – Os olhos de Diana finalmente arregalaram-se de horror quando a mente se iluminou de compreensão.
- Mas isso foi um mal-entendido! Oh Guida! Eu não acredito! – Diana tentava organizar o transbordar de ideias que lhe atravessavam o cérebro. – Eu beijei o Bernardo para o defender da humilhação que a ex-mulher o estava a fazer passar! É evidente que eu não ia esconder uma coisa destas do Duarte… Nunca mais sequer pensei no assunto… Isso não foi nada… Foi só um mal-entendido! – Diana chorava e ria ao mesmo tempo percebendo que Duarte não se fartara dela, não a achava egoísta e ainda a amava. Mas isso situava-se num tempo com um ano e meio de distância.
- Foi um mal-entendido, dizes tu? – Guida queria que Diana percebesse onde que realmente errara, e não tinha sido naquele beijo. – E o que fizeste para resolver esse mal-entendido, Diana?
- Eu! Como é que querias que eu me justificasse se nem sabia o que tinha acontecido?
- E durante quanto tempo é que lutaste pata ter uma resposta, Diana?
    Não tinha sequer tentado. Entrara num mundo de pressupostos sem sequer ter lutado por justificá-los ou defendê-los. Foi mais confortável e muito mais fácil assim. Chegou às suas próprias conclusões infundadas e seguiu o seu caminho sem se dar ao trabalho de explorar a verdade que tristemente se escondia. Não tinha mexido uma palha para aprofundar aquela questão, para descobrir o que se passava na cabeça de Duarte. Sentia-se envergonhada, mas principalmente zangada consigo mesma. Arregaçava as mangas e esforçava-se até onde ninguém mais era capaz para crescer num emprego, e não tinha sido capaz de um pequeno esforço numa relação tão importante. Como é que aquela rapariga que tinha conquistado a admiração de tantas pessoas que eram de contentamentos difíceis, tinha sido capaz de abrir mão tão facilmente da estima de alguém que a amava de verdade, sem lhe exigir nenhum esforço para que este sentimento surgisse. Duarte abrira-se para ela sem que ela tivesse que o conquistar e ela não foi capaz de o manter, trocou-o por um mundo que só lhe surgiu com muito esforço, muita luta, muita conquista. Duarte merecia que ela lutasse por ele e era exactamente isso que ela iria fazer.

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