quarta-feira, 4 de abril de 2012

CAPÍTULO XXIV - Na base da Montanha

CAPÍTULO XXIV

    Casamento… Era este o dia… E a palavra martelava na cabeça de Ana com o peso da responsabilidade que daí advinha. O espelho alto reflectia uma noiva simples, mas elegante. O vestido disfarsava a falta de pureza num linho branco bege calmo e passivo que caia numa seda leve e modelada pelos movimentos. O cabelo apresentava-se preso num coque perfeito com um gancho de pérolas por único efeito. A discrição da vestimenta de Ana resultava numa elegância sóbria pouco usual nas noivas abusadoras de rendas e tules.
    Ana colocava a liga com um cuidado exagerado e sorriu quando pensou na sua lingerie nova e rendada expectante de uma noite de núpcias que ela desejava, mas que dificilmente se concretizaria. O quarto estava silencioso. A mãe e as irmãs já se tinham posto a caminho da igreja acompanhadas por George. Ela estava ali à espera do pai que tinha ido buscar Chico, o burro que a transportaria até à igreja.
- Ana! – A voz petrificou-lhe o sangue nas veias e o movimento quase teatral parecia desejar um devaneio momentaneo. Mas os seus olhos confirmaram a imagem que a sua mente fizera corresponder àquela voz.
- Francisco! – Ana sentiu que o pensamento perdera a sua agilidade natural.
- Não te cases, Ana! Por favor! – Francisco tinha perdido o sorriso fácil e aquele ar superior que o caracterizava. Os olhos estavam envoltos numas olheiras profundas e raiados de sangue e lágrimas que já não caiam.
- Porquê? – Ana aproximou-se de Francisco que susteve a respiração.
- Porque eu amo-te!
- E o que é que eu faço com o teu amor, Francisco?
- A minha vida tem sido um inferno, desde que soube que vais casar! – Francisco inspirou fundo e deu um passo na direção de Ana. Colocou-lhe as mão nos ombros sentindo um certo estremecimento naquele toque, e fixou-lhe o olhar. – Não consigo dormir, não consigo comer… Ando atormentado Ana… Não podes casar… Eu amo-te! Nós podemos resolver tudo isto… Fica comigo Ana!
- Oh meu querido Francisco! – Ana pousou a palma da sua mão no rosto áspero de Francisco e permitiu que o seu polegar percorresse as linhas duras daquela feição. – Nem imaginas como desejo que encontres a calma…
- Eu só fico bem se tu não te casares… Por favor… Enquanto estiveste fora eu pensei por momentos que te tinha esquecido… - Francisco cobriu a mão de Ana que se mantinha quente, encostada ao seu rosto. – Não te via e era fácil para mim não pensar em ti… Mas quando chegaste a esta ilha, noiva desse americano… Eu nem sei explicar a revolução que se deu em mim.
- Chegaste a esquecer-me enquanto estive fora…
- A esquecer-te não… Nunca… Mas o meu dia corria com normalidade. É claro que me lembrava de ti… Sentia saudades… Mas o meu coração estava mais tranquilo.
   Ana pegou na mão de Francisco e beijou-lhe a palma da mão.
- Tu és belo e rico Francisco… E eu não te amo!... – Os olhos semicerrados de Francisco abriram-se num espanto. – Que amor é esse que me queres oferecer, se quando eu sofria para ter um filho teu, tu davas-te ao luxo de te lembrares de mim de vez em quando? Que amor é este que eu nunca senti quando passei fome e dormi na rua? Que sentimento te atormenta o sono que eu nunca senti enquanto dava à luz a nossa filha? Tu ensinaste-me a procurar o amor no lugar certo, e eu vou ser-te grata para o resto da minha vida… - Ana empinou o queixo numa certeza antiga, mas que agora se evidenciava luminosa e clara sem sombra das dúvidas de um passado que pertencia exactamente a esse tempo. – Agora vou-me embora. Vou iniciar uma vida nova com um amor sereno que desejo de coração que um dia tenhas a capacidade de sentir… Adeus Francisco…
    Ana chegou à igreja montada no burro da sua infância. Chico representava os anos em que ela e as irmãs corriam naqueles prados, montando o burro sem sela e soltando gritinhos de alegria, que pareciam incentivar o burro a uns coices que apimentavam a brincadeira. Aquele tempo em que a lealdade era vivida apenas a três. Aquele tempo em que as irmãs e os pais eram a sua principal e única família. Aquele tempo que ela tornaria oficialmente numa recordação eterna, no exacto momento em que assumisse esta nova família. Chico zurrou quando Ana lhe virou as costas e incentivou-a a seguir em frente com um empurrão do seu focinho. Ana riu-se, entrelaçou o seu braço com o do pai e deixou-se conduzir para o altar do seu futuro.
    As palavras do padre Inácio soavam ao mesmo burburinho de sempre e o pensamento de Ana vagueava muito acima da intenção dessas palavras. A sua alma só voltou a concentrar-se no seu corpo quando o estremecimento da compreensão de que Deus os abençoava como marido e mulher seu deu num nervoso miudinho que esperava o primeiro beijo público. George não desviou os seus olhos dos de Ana e sorriu-lhe enquanto lhe rodeava a cintura. Os lábios encostaram-se numa suavidade branda que deixava um desejo de aprofundamento. A explosão de alegria rebentou da garganta de Maria que numa emoção própria batia palmas e emitia gritinhos de felicidades.
    O baptizado de Jewel foi realizado logo de seguida, e Ana gostou da sensação de ter a filha nos braços e George com o seu braço a cobrir-lhe os ombros. Eram uma família. O padre Inácio teve dificuldade em aceitar um nome estrangeiro, mas depois de ser confrontado com o argumento de que o pai era americano, ele limitou-se a encolher os ombros e a pronunciar o nome o melhor que lhe foi possível. Tina e John forma uns padrinhos muito solícitos que se emocionaram quando perceberam que tinham tantas responsabilidades na educação daquela menina. Glória e João apadrinharam o casamento vivendo pela segunda vez as emoções de um enlace e com um entendimento de olhar aprovaram o que viram. Ana invejava aquele olhar. O mesmo olhar que lhe inspirara respeito sempre que a voz de um dos seus progenitores emitia uma decisão que expressava a opinião de ambos. Apenas um olhar trocado entre eles e sabiam quando ela e as irmãs mentiam. Apenas um olhar… Porque a cumplicidade e companheirismo de um casal são os elementos fundamentais para que exista amor. A paixão morre com a mesma intensidade com que nasce. E qual é a herança de uma paixão? Amargura na maioria dos casos… Por vezes indiferença… Muitas vezes ódio… Mas é o amor que define a verdade dos sentimentos. É no amor que reside a certeza de sucesso, de futuro, de apoio incondicional… O amor nunca resulta em amargura, nem em indiferença e tão pouco em ódio. Mas esta distinção é tão difícil de se obter, que se pode percorrer as desventuras de uma vida procurando o amor e convencendo-nos de que o encontrámos, mas depois fazemos as malas, fechamos o coração e partimos novamente nessa busca… Só os afortunados têm a sorte de os saber distinguir… Só os afortunados que tiveram a sorte e a capacidade de aproveitar o amor é que sabem fazer esta distinção sem dúvidas ou incertezas, porque nada do que conheçam se pode igualar ao facto de encontrar a outra metade de um ser. E quando isso acontece, quando a nossa mente absorve a aceita essa descoberta, então o sentimento é arrebatador e implacavelmente seguro contra as intempéries do destino.
    - Um brinde à felicidade da minha filha! – José levantou-se da única mesa daquele casamento peculiar e ergueu o copo. – Eu quero dizer umas poucas palavras. Deus tem uma estranha forma de nos mostrar o caminho certo. Eu quero que todos saibam que hoje eu ergo o meu copo pela felicidade da minha Ana com o mesmo orgulho com que a acompanhei quando ela andava de barriga e todos lhe cuspiam desgraças e más premonições. Deus abençoa os audazes, e a minha filha teve a capacidade de não se conformar com uma penitência de infelicidade e procurou novos caminhos… - José sentiu que a voz lhe ia faltar, e antes que isso acontecesse efectivou o brinde. – Brindemos à felicidade da minha Ana, do marido e da minha neta, que tem este nome que ninguém consegue dizer…
    O tilintar dos copos e os desejos de felicidade foram despejados no mesmo ritmo dos grandes goles. Tina jurava que tinha percebido este desfecho desde o dia em que vira George chegar a casa com Ana nos braços, enquanto o marido rebolava os olhos num sinal claro de descrença. Glória derretia-se sempre que Jewel lhe agarrava um dedo com os seus dedinhos frágeis e fazia João prometer-lhe que teriam muitos filhos. Luzia mantinha-se atenta evitando pratos vazios e copos por encher.
- Agora é a minha vez de fazer um brinde! – Maria colocou-se de pé em cima de uma cadeira com o seu copo de limonada cheio. – Eu quero brindar à diferença e aos corajosos que a aceitam e que lidam com ela… - Os olhares daquela mesa, enevoados pelo excesso de vinho depositaram-se naquela menina e forçaram o entendimento pronunciado. Luzia soube que a inteligência daquelas palavras eram dirigidas à sua filha Ana de uma forma directa, mas também eram dirigidas a si, de uma forma subtil e discreta. – E agora que Deus abençoe a terceira filha dos Ferreira com um namorado bonito! – A gargalhada foi geral e determinou que aquele momento seria simples, e animadamente feliz.
    Ana fechou a porta do quarto atrás de si e olhou para George, numa ansiedade visível pelo seu morder de lábio.
- Obrigada George! – Ana aproximou-se do marido. – Thank you!
- It was a pleasure to marry you! – George encurtou a distância que os separava, e deixou que o tacto dos seus dedos sentisse o contorno do rosto de Ana. Sorriu quando os olhos de Ana se fecharam sucumbindo ao prazer daquela carícia. George colou o seu corpo ao de Ana e o encaixe foi perfeito. A palma da mão grande e quente percorreu as suas costas que estremeceram ao toque.
- You looked beautiful. – As palavras sussurradas ao ouvido de Ana anteciparam o roçar de lábios que lhe percorreu o pescoço. Ana sentiu-se perdida naquele momento, e todos os seus sentidos estavam em alerta, desejando mais. Num gesto rápido, George soltou-lhe o cabelo que caiu descaradamente, dando-lhe um ar ainda mais sensual. Os peitos batiam em uníssono e os hálitos fundiram-se num beijo profundo. Os actos foram-se desenrolando numa sintonia perfeita com os sentimentos e os dedos de George emaranharam-se no cabelo rebelde de Ana, enquanto a outra mão lhe fazia correr o fecho do vestido. George afastou-se apenas o suficiente para apreciar o vestido escorregar pelo corpo perfeito de Ana. A visão era mais tentadora do que podia imaginar, mas ainda insuficiente. George desapertou-lhe o espartilho sem embaraços e quando a palma da sua mão sentiu a pele nua de Ana, um calor percorreu-lhe o corpo. Ana desapertou a camisa e fê-la deslizar pelos ombros largos e duros do marido. Quando já não restava nenhuma roupa sobre os corpos nus, os olhares deliciaram-se sem vergonhas e as carícias sucederam-se. Com as peles coladas sentido o sabor e o odor do corpo em descoberta, George conduziu Ana até à cama e deitou-a com uma ternura que antecipa um acto de entrega. O corpo dela era perfeito e quando George se deitou ao lado dela e percorreu a curva dos seios redondos com o polegar Ana revirou a pupila dos olhos. Os braços envolveram os corpos, os lábios sucumbiram ao desejo, as peles trocaram calores, e Ana abriu-se para um clímax até então desconhecido. Quando o peito acalmou e os corpos relaxaram, George aconchegou Ana no encosto do seu braço, pegou-lhe no queixo e fê-la fixar a verdade dos seus olhos.
- I love you!
- Eu também te amo! – A magia daquela troca de olhares foi a tradutora perfeita daquele momento.

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