domingo, 21 de agosto de 2011

Capitulo XV


Capitulo XV

    No primeiro dia de formação Diana sentia o nervosismo miudinho próprio da responsabilidade que seria transmitir em três semanas, aquele que deveria ser o quotidiano dos próximos anos. Diana tinha uma equipa de camareiras exclusivamente composta por meninas do colégio, pelo que instalaram uma pequena casa de madeira pré-fabricada nas traseiras do hotel que serviria de lar enquanto elas não arranjassem o seu próprio espaço. Marta era a responsável principal pela escolha das outras funcionárias, pois foi ela que nomeou os nomes. Naquele exacto momento em que se preparava para aprender as suas novas funções, Marta sentia-se orgulhosa. Apesar das pressões sofridas quando se tornou do conhecimento geral do colégio que ela seria a responsável pela nomeação de outros nomes que ingressariam a equipa de trabalho no hotel, ela conseguiu encontrar forças suficientes para fazer uma escolha consciente.
- Deixa que eu faço a lista por ti! – Dissera-lhe a Dr.ª Filipa, fazendo Marta experimentar um sentimento muito próximo do ódio. Mas Marta não se deixou intimidar e recusou a oferta que lhe foi imposta e gritada dias a fio pela directora do colégio. Ela sabia que não seriam nomeados os nomes das raparigas mais trabalhadoras, mas sim daquelas que sabiam chantagear a directora. Marta sentiu-se parte integrante da equipa de trabalho daquele hotel, e tinha consciência de que seria o bom trabalho de todos que garantiria o ganha-pão de cada um.
    A aprendizagem foi absorvida por cada membro de forma entusiástica e o espirito de equipa surgiu naturalmente para grande satisfação de Diana. Encontrou um grupo de trabalho disposto a arregaçar as mangas e a trabalhar afincadamente por um projecto que agora era comum a todos. O quotidiano das limpezas dos quartos foi interiorizado como se de uma coreografia se tratasse. O programa informático do hotel foi aprendido por todos, mesmo por aqueles que supostamente não o utilizariam. As ementas da cozinha foram escolhidas por todos e a apresentação dos pratos teve sugestões até do José Gaitinha. Este, juntamente com Manuel seriam jardineiros daquele grande complexo e eram os únicos que não tinham conseguido aprender o programa informático.
    Faltava apenas uma semana para a abertura do hotel ao público, e depois de um dia intenso de trabalho em que todos trataram da montagem dos quartos, organizaram a piscina e os acessórios exteriores, distribuíram os bancos de madeira pelos recantos de um enorme jardim e limparam meticulosamente cada canto do hotel, Diana relaxava no Café do Porto Pim com um copo de Kima na mão.
- Tenho os nervos em franja! Mal posso esperar pelo próximo sábado! – O sentimento de dever cumprido dominava a consciência de Diana.
- E vamos ter casa cheia! – O entusiasmo de Bernardo era um pouco mais pálido. Nestes últimos meses ele tinha perdido muito peso e qualquer movimento que fizesse era acompanhado por dores insuportáveis. Bernardo sentia a morte a rondar-lhe a alma, mas fechava-se a esta hipótese. Queria ver aquele hotel vibrar num quotidiano de clientes satisfeitos.
- Mais quartos houvesse… - José Gaitinha sentia muito orgulho por ter participado naquele projecto tão importante.
- Agora já temos espaço onde realizar o nosso casamento! – Raquel tinha adiado esta data tão desejada de forma a poder ter a festa dos seus sonhos. Queria uma passadeira vermelha naquele jardim idílico com um altar feito em madeira colocado à beira da piscina.
- Finalmente ficaste sem desculpas para mais adiamentos! – Pedro picava a futura esposa com um olhar apaixonado.
    As conversas fluíram em previsões para o futuro e Diana deixou o seu pensamento voar para junto de Duarte. Ela tinha conquistado a tão desejada estabilidade. Tinha conseguido uma vida económica fácil e principalmente tinha garantido uma boa estabilidade financeira para as pessoas que amava. As coisas na sua vida foram surgindo exactamente como ela desejara e o retorno de todos os seus esforços foram recompensados. Mas ali sentada naquela esplanada frequentada por pessoas de falas simples e roupas descuidadas sentia um vazio que não conseguia explicar. Era finalmente uma pessoa financeiramente estável… era amada… era até admirada, mesmo por aqueles que não simpatizavam com ela e a viam como uma oportunista resultante da vida duvidosa que teve na sua infância e juventude. Até hoje ela conhecia as suas necessidades e sabia o que tinha de fazer para satisfazê-las, mas este vazio era incompreendido pela sua mente. Às vezes sentia até um mau estar físico que não se curava com comida, ou uma manta como acontecia com os males da sua juventude. Era uma dor flamejante que lhe ardia no peito e lhe atormentava a mente num sentimento de impotência. Tudo o que lhe tinha sido tão suado e tão desejado perdia o encanto da conquista quando a sua percepção sentia a ausência de Duarte. Uma tempestade de insatisfação dominava o seu íntimo e minava o sentimento de dever cumprido. Era como se a meta principal da sua vida, aquela que realmente lhe era crucial, aquela que mesmo sem todas as outras tinha a capacidade de completá-la, ainda estivesse por atingir. Era como se o destino a fitasse e a deixasse em suspense dependendo de ventos desconhecidos que a conduzissem.  Diana sentia-se como um bocado de carvão transformado num lindo diamante boiando no meio de um charco sem ter com quem partilhar esta conquista tão importante. Faltava-lhe uma parte importante do seu futuro, faltava-lhe uma outra parte de si que compartilharia e entenderia todas estas alegrias passageiras. São precisas duas colunas para aguentar uma placa de gesso com segurança…
- Olá Diana! Queria mesmo falar contigo! – O Dr. Carlos tinha a sua mão pousada no ombro de Diana que demorou uns segundos a responder ao pedido do advogado.
- Claro! – Diana levantou-se prontamente e dirigiu-se para um canto do café na companhia daquele homem por quem o tempo tinha passado descaradamente sulcando-lhe as feições com rugas e roubando-lhe o cabelo generosamente.
- Bem Diana! – O advogado mostrava-se um pouco incomodado. – Eu queria pedir-lhe um favor.
- Diga doutor! Se estiver ao meu alcance terei todo o gosto! Afinal de contas o senhor já me ajudou tanto.
- Eu tenho um sobrinho que tem dado algumas preocupações à minha irmã!
- Sim…
- É muito inconsciente nas suas acções… Não tem má índole, mas é muito limitado e tem um feitio dos diabos…
- Sim… - Diana tentava perceber onde é que o seu favor se encaixava na história do sobrinho.
- Eu queria ajudar a encaminhá-lo… e pensei que talvez tivesses um trabalho para ele no hotel…
    Diana não vacilou na resposta positiva. Sentia que tinha uma divida permanente com aquele homem que no passado a tinha ajudado sem sequer conhecê-la, e ajudou-a sem pedir nada em troca. Ela não podia negar-lhe este pedido… Tal como ele não a julgou pela aparência também não o faria com o sobrinho dele.
- Ele que se apresente amanhã de manhã no hotel! Ainda tenho lugar para um recepcionista.
- Muito obrigado Diana! Nem sei como te agradecer!
- Um certo advogado ensinou-me um dia que as nossas melhores acções são aquelas que fazemos sem esperar nada em troca.

    O dia seguinte amanheceu com um sol prometedor. Diana despertou demasiado cedo, revelando um velho hábito do seu corpo e preparou-se para ir trabalhar. Tinha de preparar o sobrinho do advogado em apenas dois dias e queria fazê-lo sem pressionar o rapaz.
    Quando os portões do hotel se abriram para ela, não conseguiu evitar a emoção do orgulho por estar na origem daquele pequeno paraíso. Percorreu o caminho forrado por uma arcada verde de árvores até ao edifício majestoso que fazia lembrar uma enorme casa colonial toda em grandes blocos de basalto com grandes janelas modernas que deixava a luminosidade entrar desavergonhadamente. Diana esperou o rapaz fechada no seu gabinete organizando os contractos de trabalho que deveriam ser assinados naquele mesmo dia. As pancadinhas na porta foram delicadas e Diana ordenou que entrasse. A porta abriu-se envergonhadamente e a figura de Rúben depositou-se no seu escritório para grande incómodo de Dina.
- Mas que raio é que estás aqui a fazer! – Diana deu um passo atrás colocando o seu cadeirão à sua frente como se assim se sentisse mais protegida.
- O meu tio disse-me que tinhas trabalho para mim…
- Mas… - A admiração de Diana face a este entendimento momentâneo sobrepôs-se ao terror… - Tu és sobrinho do Dr. Carlos?
- Sim… - O incómodo de Rúben era visível. Diana não pode deixar de sentir uma satisfação intima ao reparar que aquele brutamontes estava quase encolhido. Quase lhe sentia o cheiro a transpiração que o seu corpo emanava dos nervos de estar a ser avaliado pela filha do Zé dos Copos. – Sente-se por favor Ruben! – O homem obedeceu-lhe visivelmente contrariado.
- Quanto é que vais pagar-me? – Perguntou ele tentando dominar a conversa pela via da intimidação.
- Aqui o Ruben não me vai tratar por tu! Eu sou sua patroa e não uma coleguinha de escola… - Ruben sentiu como se lhe tivesses esmurrado o estômago. – Não precisa de tratar-me por doutora… Mas também não me trata por tu… Estamos entendidos?
- Sim… - Foi a única resposta sumida que aquela boca distorcida conseguiu proferir…
- Então vamos prosseguir com esta entrevista de emprego! – Diana colocou os óculos e começou a analisar umas tabelas, sabendo que este compasso enervaria ainda mais Ruben. – Terminou o décimo segundo ano?
- Não! – A humilhação começava a formigar-lhe nos punhos, sentimento que não ficou fora do alcance do entendimento de Diana.
- Ainda tem o hábito de bater em mulheres para se sentir mais homem? – Ruben encontrou um olhar penetrante e frio que lhe congelou qualquer reacção. – Quero que saiba que não admito qualquer falta de respeito ou violência nesta casa… Sente-se capaz de ingressar uma equipa responsável e comportar-se de forma competente e respeitosa?
- Sim… - Uma resposta demorada arrastou-se por entre aqueles lábios que já não eram tão deslumbrantes.
- Eu disse ao seu tio que tinha um lugar como recepcionista… Mas como não confio em si e muito menos gosto de si, vou começar por colocá-lo como porteiro… Está bem assim?
- Sim…
- Quero que saiba que eu lhe estou a fazer um favor… Quero que tenha consciência disso… É a vira-lata que lhe está a fazer o especial favor de lhe garantir um ganha pão… - Diana deliciou-se com aquele baixar de olhos constrangido e quase jurava ter visto um rasgo de arrependimento. – Vou agora acompanhá-lo e mostrar-lhe como deverá executar as suas funções.
    A vida abalroa-nos com constrangimentos impensáveis que poderiam ser evitados por presentes dignos de futuros promissores. Diana sorriu ao pensar que naquele exacto momento se corporizava o ditado “ cada um se deita na cama que fez”. 

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