domingo, 19 de junho de 2011

CAPÍTULO IV

CAPÍTULO IV


    O terceiro período era vivido num ritmo monótono, entre as aulas, a biblioteca e casa. Diana dedicava-se ao estudo com um afinco e contagiava Raquel que pela primeira fez tinha um objectivo de difícil alcance e sentia-se estimuladamente desafiada.
    Aquela tarde de quarta-feira estava convidativa a um mergulho na praia, mas as raparigas resistiam à tentação com a vontade dos teimosos. Só podiam fazer uma pausa de uma hora às quatro e meia da tarde, e não abdicariam do tão merecido mergulho, por enquanto manter-se-iam num canto do café a estudar e a petiscar uns amendoins torrados em açúcar que Guida tinha feito de propósito para as raparigas.
    Diana sentia falta de Duarte, mas nestes últimos tempos tem sido difícil conciliar os turnos do hospital com os horários de estudo. Por vezes ainda duvidava se aquela relação era real. Estava sempre à espera que Duarte se arrependesse ou que de repente tivesse noção do ridículo que era manter uma pessoa como Diana ao seu lado. Mas enquanto isso não acontecesse Diana sentia-se feliz.

- São quatro horas e trinta minutos! – José Gaitinha era o cronómetro oficial das raparigas. – Têm autorização superior para fazer a pausa…

    Raquel levantou-se logo e pegou no saco de praia, deixando os livros espalhados na mesa. Diana pelo contrário colocou cada tampa de caneta no sítio certo, fechou todos os livros e cadernos e arrumou tudo por uma ordem pré-definida dentro da mochila.

- José Gaitinha, you are the best fisherman in the world. We love you. – Raquel lançou-se ao pescoço do velho num abraço apertado.
- Lá está esta a falar alemão para mim… - resmungou José desconfiado do significado daquelas palavras.
- Oh homem! Não vês que ela estava mas era a falar inglês. – Mário levantou-se da sua mesa numa tentativa frustrada de parecer maior.
- Ai que o Mário sabe tantas coisas! E não me traduzes o que disse a minha amiga Raquel? – Diana provocava descaradamente aquele homem pequeno.
- Pronto eu confesso… - Mário deixou-se cair novamente na sua cadeira rendido à evidência de não ter percebido patavina – eu percebi que vocês estavam a estudar inglês, logo ela só podia estar a praticar um pouco…
- Mas que raciocínio brilhante Mário!... Estou muito orgulhosa de ti - Diana atirou-lhe um beijo que fez com que Mário se levantasse novamente da cadeira esticando-se como se quisesse tornar-se do tamanho da sua importância.

    As raparigas foram então ao merecido mergulho. Desceram a rampa que dava acesso à praia, tiraram os chinelos e enterraram os pés com um prazer silencioso naquela areia suave e quente. Percorreram a curta praia sempre à beira mar, molhando os pés na espuma calma que morria no contacto lento com a areia.
    Escolheram um lugar mais calmo e estenderam as toalhas. Livraram-se daquele vestuário leve o mais depressa possível e correram num entendimento mudo para a água mergulhando naquele mar imenso e esvaziando a mente das preocupações quotidianas. Diana libertava-se de todas as tensões, pesares e preocupações assim que sentia a água bater-lhe no rosto. Nadava sem parar com uma braçada forte e larga que a fazia deslizar com a graciosidade dos golfinhos. Raquel não conseguia acompanhar o ritmo da amiga pelo que se deixou ficar a chapinhar onde os pés sentiam a areia. Enquanto nadava vagarosamente de um lado para o outro, Raquel encontrou-se com Ruben, que aproveitou o facto de a ex-namorada estar sozinha para se aproximar.

- Olá Raquel! – Ruben exibia o seu sorriso brilhante numa tentativa sedutora. – Já não falamos há algum tempo…
- Porque tu não queres. Eu não tenho preconceitos e falo com todo o tipo de pessoas. – Raquel apesar de estar contente por estar a reatar aquela amizade, adoptou uma postura defensiva.
- Pois! Já percebi isso… Olha, vamos recomeçar do zero, sem rancores está bem Raquel.
- Isso quer dizer que vais passar a ser uma pessoa civilizada e cumprimentar todos os meus amigos?
- Não Raquel! Não me podes obrigar a gostar daquela vadia. Mas o facto de não gostar dela não me impede de gostar de ti. Não faz sentido não falarmos…
- Pronto Ruben! É evidente que podemos continuar a falar.
- Amigos? – Ruben estendeu a mão num gesto que firmava uma palavra.
- Amigos. – Raquel aceitou o cumprimento que se demorou na sua mão.

    A hora do descanso passou-se depressa demais e Diana teve de arrastar Raquel de novo para as obrigações. Quando chegaram ao café depararam-se com o movimento típico do início de Verão. A esplanada era uma explosão de idiomas e as cabeças confundiam-se num mar de louro, castanho e preto. As raparigas sentaram-se no interior do café, numa mesa mais resguardada.

- Olá Diana! – Dr. Carlos cumprimentou as raparigas com um aperto de mão efusivo. – Tenho excelentes notícias.
- Nada como uma boa noticia antes de mergulhar no estudo de inglês. – Diana tentava mostrar um ar descontraído, mas sentia-se inquieta. Com toda a certeza que a conversa seria acerca da herança daquele homem a quem ainda não consegue associar a palavra avô.
- Então é assim Diana, já tenho tudo tratado. Como me passaste uma procuração tua e do teu irmão para vos representar neste processo, fiz todo o trabalho sem vos consultar. Mas acho que o resultado é bastante satisfatório. – O advogado ajeitou-se na cadeira colocando-se numa posição mais confortável, e bebericou a imperial fresquinha que Guida tinha colocado à sua frente. Depois de um revirar de olhos de satisfação continuou. – A escritura dos terrenos faz-se amanhã. Vocês ficam com todos os terrenos das Dutras. - Mais uma pausa para bebericar o fino e apreciar a reacção da rapariga que parecia suster o ar. – A renda que receberão do talho será mensal, no valor de cento e oitenta contos… - Diana explodiu toda a contenção num grito de satisfação e abraçou aquele advogado chamando sobre si toda a atenção do café. Os velhos pescadores que estavam no estabelecimento aproximaram-se apressadamente, seguidos por Paulo e Guida.
- Mas que gaitaria vem a ser esta? E ainda por cima sem o Gaitinha. – José Gaitinha foi o primeiro a interromper os festejos de Diana.
- Oh Gaitinha! O Dr. Carlos é o melhor advogado do mundo!... – Diana elogiava o advogado de uma forma atrapalhada. Foi Raquel que vendo os olhares inquiridores trocados entre aquele grupo de amigos que começou a explicação.
- Aqui o Dr. Carlos, conseguiu que ficasse para a Diana e para o irmão, todos os terrenos das Dutras. Conseguiu ainda uma renda do talho no valor de cento e oitenta contos.
- O doutor é mais endemoninhado do que a garota que só pedia cem contos… - Mário mostrava-se satisfeito com aquele acrescento.
- Finalmente, sinto que se está a fazer alguma justiça nesta história. – Manuel quase deixava transparecer a pronúncia de um sorriso.
- Esperem meus amigos que ainda não acabei. – Quando o advogado conseguiu calar a assistência continuou com um ar de muitas importâncias. – Claro que a renda mensal tem o acrescento exigido pela Diana. Será actualizada anualmente conforme a inflação, nunca podendo crescer menos que 2%. – Neste momento as palmas surgiram e foram logo interrompidas por um gesto altivo do advogado fazendo antever mais novidades. – E ainda, foi depositado numa conta em nome dos dois irmãos… - o advogado fez nova pausa adivinhando os protestos que aumentavam de som, e com um sorriso lento e uma ar de suspense. – O valor de cinco mil contos…

    A festa rompeu, as bebidas foram por conta da casa, a música surgiu como por magia e Paulo pegou na sua Guida e dançaram como já não faziam há muito.  À festa privada dos amigos juntou-se o resto da clientela e entre gente da terra e estrangeiros fez-se um arraial que se tornou muito rentável para o café. Depressa todos os amigos tiveram de arregaçar as mangas e entre uma dança e outra ir servindo os clientes sequiosos de consumo e diversão.
    No final da tarde Pedro entrou naquele café transformado numa festa de santos populares e logo se tornou adepto daquela animação. Levado pela euforia do momento pegou em Raquel e dançou. Sentiu que a rapariga estava tensa e emitia umas vibrações de nervosismo, o que o levou a uma satisfação própria de macho. Para provocar um pouco mais, Pedro apertou-a para além do necessário e de forma lenta e premeditada depositou um leve beijo no pescoço da rapariga, cuja emoção se evidenciou um arrepio, provocando um sorriso malandro em Pedro.

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