Capitulo XIX
A
aterragem no aeroporto de Lisboa foi fria, com ausência de qualquer calor
humano. Vanda sentiu falta dos aplausos que a surpreenderam no
pequeno aeródromo daquele ilhéu que acabava de deixar. Os passageiros saíram numa
fila ordenada do avião sem uma troca de olhares ou um cumprimento casual.
Veio-lhe à memória um verso de Camões “um andar solitário entre a gente”. Era
exactamente assim que ela se sentia. Os seus olhos engoliram a imagem de
centenas de corpos a movimentarem-se sem se darem conta uns dos outros, numa
pressa virtual que prendia qualquer hipótese de relacionamentos entre
aquela pequena multidão. O tapete onde deveria recolher a sua bagagem era o
dezoito. Vanda soube que não valia a pena perguntar a ninguém, então
procurou a ordem lógica dos tapetes até encontrar o que lhe interessava. O
tapete fazia rolar bagagem com etiquetas em espanhol, o que lhe indicava que a
bagagem do seu voo ainda não estava a circular. A mente entorpecida de Vanda foi desperta pelo toque do telemóvel. Ela olhou um
pouco incrédula para o visor espantada por alguém estar a ligar-lhe. Era a D.
Emília.
-
Sim!
-
Olá Vanda! Só queria saber se chegaste bem. – Esta preocupação gratuita emocionou Vanda que se esqueceu da solidão que estava a sentir no meio
daquela gente miudinha que se movimentava numa correria impessoal pelos
corredores do aeroporto.
-
Sim. A viagem foi boa e estou agora à espera da bagagem. – Vanda fechou os
olhos. Não lhe apetecia desligar já. – Vou apanhar um táxi directamente
para a residencial e depois vou logo para o hospital. – Vanda continuou a falar procurando alongar aquela
sensação de companheirismo que estava a sentir e que a confortava. – Quer que
lhe telefone quando estiver no hospital?
Vanda susteve a respiração na esperança de uma resposta positiva.
-
Oh querida! Não precisas de fazê-lo. – Vanda libertou o ar desiludida. – O Vasco está aí fora à tua
espera.
-
Oh! – a admiração de Vanda traduziu-se num nervosismo miudinho que ela não conseguia
explicar. – Não era preciso.
-
Claro que era! Achas que te deixaríamos aí sozinha? – A D.
Emília sussurrou algo que ela não percebeu. – A Irene manda-te
beijinhos.
-
Para ela também.
-
Agasalha-te bem aí que nessa terra faz um frio dos diabos. Depois voltamos a
falar. Um beijo grande e juízo, filha.
Vanda murmurou uma despedida e guardou aquele carinho num sorriso
palerma que lhe aflorou os lábios. Ela tinha-a chamado filha.
A
sua mala finalmente rolou no tapete e Vanda pegou-lhe com algum esforço pousando-a direita no chão.
Congratulou-se por levar desta vez uma mala com rodinhas e um pouco mais segura de si encaminhou-se para a saída de
passageiros. A entrada do aeroporto estava repleta de gente que esticava a
cabeça numa esperança apressada de reencontrar uma cara conhecida. Quem não
sofria da ânsia do reencontro transportava uma cartaz com nomes e esperavam que
alguém os contactasse. Vanda sentiu um embate no peito quando os seus olhos encontraram os
de Vasco. Ele estava visivelmente mais magro e o cabelo tinha levado um bom
corte mantendo um desalinho que continuava e ser-lhe característico. Vanda desceu a rampa sentindo que as pernas falhavam, mas fazendo
o possível para manter a dignidade. Parou em frente a Vasco e a
proximidade estremeceu-lhe o
corpo num reconhecimento intimo.
-
Olá Vanda. –
Vasco estacou uns segundos antes de cumprimentá-la. O embaraço tornou-se visível na imprecisão
dos movimentos. Levantou um braço que dirigiu à figura de Vanda deixando-o cair antes de lhe tocar, provocando a
desilusão típica que postecipa uma ansiedade frustrada.
-
Olá Vasco.
O
caminho para o parque de estacionamento foi feito num silêncio desconfortável,
assim como o caminho até ao apartamento onde Vasco estava instalado.
-
Espero que não te importes de ficar aqui. – Vasco parou na entrada como se
tivesse perdido as certezas. – Se for desconfortável para ti levo-te
a um hotel.
-
E porque seria desconfortável? – Vanda olhava-o agora de frente sem vergonha encarando-lhe o olhar
que era mais quente do que ele desejava.
-
É o apartamento de uma amigo meu… ele está fora e deixou-me ficar aqui… e
talvez tu não queiras… - Vasco parecia não conseguir coordenar as ideias. – Eu
estou aqui hospedado, e tu podes não querer partilhar o apartamento comigo. –
As palavras foram disparadas num só fôlego e com um tom de rancor que
não escapou a Vanda.
-
Eu quero ficar aqui. Podes mostrar-me o meu quarto? – Vasco seguiu o corredor
largo de paredes brancas e despidas e entrou na última porta à direita. Vanda seguiu-o entrando no quarto impessoal que tinha uma cama de
casal em cerejeira coberta por uma colcha azul escura e uns cortinados de linho
com uns bordados que Vanda não apreciou. Aquele apartamento era de uma homem solteiro
de certeza.
-
Bem… - O incómodo de Vasco era visível. Vanda dirigiu-lhe um sorriso que o fez estremecer. Ela percebeu a
adrenalina que se movimentava em desatino pelo sangue de Vasco e decidiu não
lhe facilitar a vida. Pousou a mala em cima da cama e tirou o casaco de costas
para Vasco sentindo os seus olhos presos nela. Depois soltou o cabelo deixando
cair em cachos rebeldes sobre os ombros. A excitação pulsava invisível entre
os dois e Vanda sorriu mantendo-se de costas para Vasco dobrando-se mais do
que o necessário para a mala de viagem empinando um rabo perfeito. O bater
estridente da porta do quarto fez Vanda dar um pulo e o seu coração cavalgou de susto admiração e
raiva por Vasco a ter deixado ali sozinha. Correu atrás de Vasco a espumar
rancor mais chateada por se sentir rejeitada do que chateada por ele ter batido
a porta.
-
Não é preciso bateres assim a porta! – Vanda sentia as faces vermelhas como se uma convulsão de emoções
estivessem a ferver-lhe nas bochechas em simultâneo.
-
Não me provoques Vanda! – Vasco virou-se para ela e lançou-lhe um olhar perigoso.
-
Não sei do que estás a falar. – Vanda aproximou-se dele empinando o peito mas menos corajosa.
Passou os dedos pelos cabelos e Vasco resfolegou encurtando a distância entre
ambos com dois passos bruscos. Agarrou-lhe os pulsos e prendeu-os atrás da
cintura. Vanda sentiu-lhe o cheiro da loção de barba e encostou mais o seu
corpo ao dele. A proximidade de ambos fazia-os partilhar o mesmo ar e
trocarem hálito ansiosos emanados por uma respiração pesada. Vasco
roçou os seus lábios nos dela e afastou novamente a cara só para poder ler-lhe
a expressão do rosto. Sorriu quando ela gemeu baixinho e sentiu-se cheio de um
orgulho macho quando lhe viu os olhos revirarem de puro prazer. Vasco encostou
a sua face à dela e mordiscou-lhe o lóbulo da orelha provocando-lhe um
estremecimento. Então sussurrou-lhe ao ouvido.
-
É pena que não me queiras com tanta convicção. – E muito contrariado soltou-a virou
costas e saiu. – Vou buscar almoço.
Vanda ainda sentia a respiração alterada e o seu pensamento
começava a assimilar lentamente o que acabara de acontecer. Fora rejeitada.
Diabos o levassem. Se ele queria guerra então teria guerra. Vanda olhou à sua volta e obrigou a sua mente a acalmar-se e viu
o que até então lhe tinha escapado. Estava tudo extremamente limpo. Não havia
uma única ruga na manta horrorosa que cobria o sofá. Vanda correu para a cozinha e reparou que as bancadas de inox tinha sido esfregadas com bravo deixando-as brilhantes como
se fossem espelhos. Ele tinha tido esses cuidados por causa dela. Vanda deixou escapar uma gargalhada trémula e saltitou para o seu
quarto. Aquele jogo tinha apenas começado e Vasco seria recebido em casa com
uma surpresa.
Vasco
abriu a porta decidido a ignorar Vanda de forma que ela sentisse apenas uma dizima parte daquilo
que ele sentiu quando ela negou um futuro ao seu lado. O seu espírito sentia-se
motivado a fazê-la sofrer um pouco e talvez ela lhe desse o devido valor e
deixasse de brincar com ele. Ele estava completamente decidido até levantar os
olhos das chaves que arrancava da porta e encontrar Vanda com um olhar quente e penetrante vestindo apenas uma tanga
preta. Vasco devorou aquele corpo escultural que ele aprendera a amar e todas
as suas convicções foram esquecidas. Os sacos foram atirados
para um canto sem que nenhum dos dois se preocupasse com o seu conteúdo espalhado
pelo chão. Os passos apressados de Vasco conduziram as suas mão carentes para
umas costas quentes fazendo Vanda encaixar-se no corpo dele e o beijo selvagem nasceu de um
desejo primitivo que aliado a um sentimento profundo transportou-os para um
lugar maravilhoso situado entre a Terra e o Paraíso. Os sentidos procuraram-se
e completaram-se. Os espíritos fundiram-se numa pressa carnal. As ânsias
culminaram juntas num cansaço satisfatório. E as almas preencheram-se novamente.
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