sábado, 9 de março de 2013

Capitulo XIX - Nas Asas do Corvo


Capitulo XIX



A aterragem no aeroporto de Lisboa foi fria, com ausência de qualquer calor humano. Vanda sentiu falta dos aplausos que a surpreenderam no pequeno aeródromo daquele ilhéu que acabava de deixar. Os passageiros saíram numa fila ordenada do avião sem uma troca de olhares ou um cumprimento casual. Veio-lhe à memória um verso de Camões “um andar solitário entre a gente”. Era exactamente assim que ela se sentia. Os seus olhos  engoliram a imagem de centenas de corpos a movimentarem-se sem se darem conta uns dos outros, numa pressa virtual que prendia qualquer hipótese de relacionamentos entre aquela pequena multidão. O tapete onde deveria recolher a sua bagagem era o dezoito. Vanda soube que não valia a pena perguntar a ninguém, então procurou a ordem lógica dos tapetes até encontrar o que lhe interessava. O tapete fazia rolar bagagem com etiquetas em espanhol, o que lhe indicava que a bagagem do seu voo ainda não estava a circular. A mente entorpecida de Vanda foi desperta pelo toque do telemóvel. Ela olhou um pouco incrédula para o visor espantada por alguém estar a ligar-lhe. Era a D. Emília.
- Sim!

- Olá Vanda! Só queria saber se chegaste bem. – Esta preocupação gratuita emocionou Vanda que se esqueceu da solidão que estava a sentir no meio daquela gente miudinha que se movimentava numa correria impessoal pelos corredores do aeroporto.

- Sim. A viagem foi boa e estou agora à espera da bagagem. – Vanda fechou os olhos. Não lhe apetecia desligar já. – Vou apanhar um táxi directamente para a residencial e depois vou logo para o hospital. – Vanda  continuou a falar procurando alongar aquela sensação de companheirismo que estava a sentir e que a confortava. – Quer que lhe telefone quando estiver no hospital?
Vanda susteve a respiração na esperança de uma resposta positiva.
- Oh querida! Não precisas de fazê-lo. – Vanda libertou o ar desiludida. – O Vasco está aí fora à tua espera.

- Oh! – a admiração de Vanda traduziu-se num nervosismo miudinho que ela não conseguia explicar. – Não era preciso.

- Claro que era! Achas que te deixaríamos aí sozinha? – A D. Emília sussurrou algo que ela não percebeu. – A Irene manda-te beijinhos.
- Para ela também.

- Agasalha-te bem aí que nessa terra faz um frio dos diabos. Depois voltamos a falar. Um beijo grande e juízo, filha.

Vanda murmurou uma despedida e guardou aquele carinho num sorriso palerma que lhe aflorou os lábios. Ela tinha-a chamado filha.

A sua mala finalmente rolou no tapete e Vanda pegou-lhe com algum esforço pousando-a direita no chão. Congratulou-se por levar desta vez uma mala com rodinhas e um pouco mais segura de si encaminhou-se para a saída de passageiros. A entrada do aeroporto estava repleta de gente que esticava a cabeça numa esperança apressada de reencontrar uma cara conhecida. Quem não sofria da ânsia do reencontro transportava uma cartaz com nomes e esperavam que alguém os contactasse. Vanda sentiu um embate no peito quando os seus olhos encontraram os de Vasco. Ele estava visivelmente mais magro e o cabelo tinha levado um bom corte mantendo um desalinho que continuava e ser-lhe característico. Vanda desceu a rampa sentindo que as pernas falhavam, mas fazendo o possível para manter a dignidade. Parou em frente a Vasco e a proximidade estremeceu-lhe o corpo num reconhecimento intimo.
- Olá Vanda. – Vasco estacou uns segundos antes de cumprimentá-la. O embaraço tornou-se visível na imprecisão dos movimentos. Levantou um braço que dirigiu à figura de Vanda deixando-o cair antes de lhe tocar, provocando a desilusão típica que postecipa uma ansiedade frustrada.
- Olá Vasco.

O caminho para o parque de estacionamento foi feito num silêncio desconfortável, assim como o caminho até ao apartamento onde Vasco estava instalado.

- Espero que não te importes de ficar aqui. – Vasco parou na entrada como se tivesse perdido as certezas. – Se for desconfortável para ti levo-te a um hotel.
- E porque seria desconfortável? – Vanda olhava-o agora de frente sem vergonha encarando-lhe o olhar que era mais quente do que ele desejava.

- É o apartamento de uma amigo meu… ele está fora e deixou-me ficar aqui… e talvez tu não queiras… - Vasco parecia não conseguir coordenar as ideias. – Eu estou aqui hospedado, e tu podes não querer partilhar o apartamento comigo. – As palavras foram disparadas num só fôlego e com um tom de rancor que não escapou a Vanda.
- Eu quero ficar aqui. Podes mostrar-me o meu quarto? – Vasco seguiu o corredor largo de paredes brancas e despidas e entrou na última porta à direita. Vanda seguiu-o entrando no quarto impessoal que tinha uma cama de casal em cerejeira coberta por uma colcha azul escura e uns cortinados de linho com uns bordados que Vanda não apreciou. Aquele apartamento era de uma homem solteiro de certeza.

- Bem… - O incómodo de Vasco era visível. Vanda dirigiu-lhe um sorriso que o fez estremecer. Ela percebeu a adrenalina que se movimentava em desatino pelo sangue de Vasco e decidiu não lhe facilitar a vida. Pousou a mala em cima da cama e tirou o casaco de costas para Vasco sentindo os seus olhos presos nela. Depois soltou o cabelo deixando cair em cachos rebeldes sobre os ombros. A excitação pulsava invisível entre os dois e Vanda sorriu mantendo-se de costas para Vasco dobrando-se mais do que o necessário para a mala de viagem empinando um rabo perfeito. O bater estridente da porta do quarto fez Vanda dar um pulo e o seu coração cavalgou de susto admiração e raiva por Vasco a ter deixado ali sozinha. Correu atrás de Vasco a espumar rancor mais chateada por se sentir rejeitada do que chateada por ele ter batido a porta.
- Não é preciso bateres assim a porta! – Vanda sentia as faces vermelhas como se uma convulsão de emoções estivessem a ferver-lhe nas bochechas em simultâneo.

- Não me provoques Vanda! – Vasco virou-se para ela e lançou-lhe um olhar perigoso.

- Não sei do que estás a falar. – Vanda aproximou-se dele empinando o peito mas menos corajosa. Passou os dedos pelos cabelos e Vasco resfolegou encurtando a distância entre ambos com dois passos bruscos. Agarrou-lhe os pulsos e prendeu-os atrás da cintura. Vanda sentiu-lhe o cheiro da loção de barba e encostou mais o seu corpo ao dele. A proximidade de ambos fazia-os partilhar o mesmo ar e trocarem hálito ansiosos emanados por uma respiração pesada. Vasco roçou os seus lábios nos dela e afastou novamente a cara só para poder ler-lhe a expressão do rosto. Sorriu quando ela gemeu baixinho e sentiu-se cheio de um orgulho macho quando lhe viu os olhos revirarem de puro prazer. Vasco encostou a sua face à dela e mordiscou-lhe o lóbulo da orelha provocando-lhe um estremecimento. Então sussurrou-lhe ao ouvido.
- É pena que não me queiras com tanta convicção. – E muito contrariado soltou-a virou costas e saiu. – Vou buscar almoço.

Vanda ainda sentia a respiração alterada e o seu pensamento começava a assimilar lentamente o que acabara de acontecer. Fora rejeitada. Diabos o levassem. Se ele queria guerra então teria guerra. Vanda olhou à sua volta e obrigou a sua mente a acalmar-se e viu o que até então lhe tinha escapado. Estava tudo extremamente limpo. Não havia uma única ruga na manta horrorosa que cobria o sofá. Vanda correu para a cozinha e reparou que as bancadas de inox tinha sido esfregadas com bravo deixando-as brilhantes como se fossem espelhos. Ele tinha tido esses cuidados por causa dela. Vanda deixou escapar uma gargalhada trémula e saltitou para o seu quarto. Aquele jogo tinha apenas começado e Vasco seria recebido em casa com uma surpresa.

Vasco abriu a porta decidido a ignorar Vanda de forma que ela sentisse apenas uma dizima parte daquilo que ele sentiu quando ela negou um futuro ao seu lado. O seu espírito sentia-se motivado a fazê-la sofrer um pouco e talvez ela lhe desse o devido valor e deixasse de brincar com ele. Ele estava completamente decidido até levantar os olhos das chaves que arrancava da porta e encontrar Vanda com um olhar quente e penetrante vestindo apenas uma tanga preta. Vasco devorou aquele corpo escultural que ele aprendera a amar e todas as suas convicções foram esquecidas. Os sacos foram atirados para um canto sem que nenhum dos dois se preocupasse com o seu conteúdo espalhado pelo chão. Os passos apressados de Vasco conduziram as suas mão carentes para umas costas quentes fazendo Vanda encaixar-se no corpo dele e o beijo selvagem nasceu de um desejo primitivo que aliado a um sentimento profundo transportou-os para um lugar maravilhoso situado entre a Terra e o Paraíso. Os sentidos procuraram-se e completaram-se. Os espíritos fundiram-se numa pressa carnal. As ânsias culminaram juntas num cansaço satisfatório. E as almas preencheram-se novamente.



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