sábado, 30 de julho de 2011

Capitulo XIII

Capitulo XIII

    Aquela piscina natural, onde Diana confiara tantas lágrimas continuava exactamente na mesma, como se o tempo tivesse parado ali. Era o seu muro das lamentações, o seu lugar de angústia e magia, onde a vida de Diana se começara a unir à vida de Duarte. Diana estava sentada no tão familiar último degrau a olhar o mar que entrava desavergonhadamente por entre as rochas altas, enchendo a piscina. As ideias flutuavam agradavelmente na sua mente sem que conseguisse captar alguma com clareza. A brisa acariciava-lhe o rosto moreno transmitindo uma paz relaxante que convidava os olhos a fecharem-se. Uma mão pousou no seu ombro e o sobressalto da surpresa sobrepôs-se à calma do momento.
- Olá! – Foram as únicas palavras que Diana conseguiu ouvir de Duarte. Parecia mágico, ele estar ali sem qualquer previsão nesse sentido. Diana sentia que as forças da terra estavam unidas naquele propósito de juntá-los.
- Olá Duarte! – Diana sentia a sua mente dormente. Todos os discursos que preparara para o momento de reencontro tinham-se apagado da sua memória.
- Não esperava encontrar-te aqui! – Duarte, após um momento de indecisão decidiu sentar-se no degrau ao lado de Diana.
- Este é o meu lugar! O meu muro das lamentações! Lembras-te? – Diana deixou aflorar nos lábios um sorriso que foi acompanhado pela felicidade do olhar.
- Lembro-me! Mas pensei que já não precisasses de um lugar destes!
    Diana encurtou a distância que os separava e entrelaçou os seus dedos nos de Duarte como tantas vezes o haviam feito. Duarte voltou a sentir todos os poros do seu corpo em alerta. Os seus sentidos aguçaram-se e a vontade de voltar a afogar o nariz na curva perfeita do pescoço de Diana foi quase impossível de controlar.
- Eu amo-te Duarte! – Diana finalmente exprimiu os seus sentimentos. E não tinha sentido nenhum dramatismo, nem pressão para fazê-lo. Fê-lo com a simplicidade que uma verdade constatada possui em si mesma, porque o que é simples é verdadeiro.
- Porque é que me estás a dizer isso agora, Diana? – Duarte sentia uma explosão de felicidade dentro dele, mas a desconfiança que sentia perante aquela declaração era mais forte do que qualquer outro sentimento.
- Porque é a verdade Duarte. É uma verdade antiga que devia ter sido dita mais cedo. – Diana sentiu-se insegura de repente. Aquele silêncio de Duarte mortificava-a e o seu olhar perdido no vai e vem do mar mostrava um homem ausente. – Não dizes nada?
- Agora que passou a primeira reacção às tuas palavras, consigo perceber o porquê delas. Agora já tens a vida que queres… Só agora é que encontras espaço para mim na tua vida perfeita…
- Estás a ser injusto Duarte! A minha vida sempre teve espaço para ti… Quando não estiveste aqui para preencher esse espaço, apenas ficou um vazio… Um vazio enorme! – Diana sentia-se agora impulsionada a falar. Queria resolver as coisas depressa… Sentia uma necessidade quase física de voltar a ter Duarte na sua vida. – Aquilo que tu viste… O beijo… Foi tudo um mal-entendido!
- Tu não percebeste nada! É evidente que aquele beijo que eu vi e nas circunstâncias em que vi… em que eu coloquei tanta esperança naquela surpresa, em que eu entrei naquele baile com o coração a bater de ansiedade de te ver feliz só por me teres ali… É evidente que aquele beijo me deixou mortificado. Mas se tu me tivesses procurado. Se me tivesses explicado, eu teria ultrapassado. O que me magoou mesmo foi a tua atitude de não lutares por mim… Tu nunca me procuraste. Pediste ao teu irmão para ir ao hospital uma semana depois de não falarmos… Uma semana inteira para sentires a minha falta… eu teria revirado o mundo se passasse um dia sequer sem notícias tuas… E depois nem uma tentativa de contacto… Foi nesta atitude que eu percebi que tinhas coisas mais importantes… Eu estava a dar-me uma importância que não tinha na tua vida… - Duarte sentiu a mágoa voltar a apoderar-se do seu peito e retirou a sua mão da de Diana com brusquidão.
- Tens toda a razão Duarte! E eu levei demasiado tempo a perceber o que é mais importante na vida… Eu tinha as minhas prioridades todas trocadas… Consigo perceber isso agora…
    Duarte sentiu uma esperança súbita. Se Diana tinha mudado, se tinha percebido que a sua obsessão com uma ascensão económica não era o mais importante, então ainda havia uma réstia de esperança.
- Voltaste para ficar Diana?
- Não! Só vim cá porque sabia que estarias de férias e tinha esperança de te encontrar!
    Duarte sentiu que era o momento certo para os dois. Abdicaria de todos os planos que fizera para o seu futuro para recomeçar uma vida com Diana. Ela estava a mostrar-se finalmente disponível para ele.
- Então não voltes Diana! – Duarte voltou a pegar nas mãos de Diana e beijou-lhe suavemente a ponta dos dedos, aproximou-se intimamente com um desejo súbito a pulsar-lhe nas veias e beijou-a com a ânsia de dois anos de espera. Quando se afastou um pouco para olhar aquele rosto que lhe estava gravado nas entranhas, encontrou a sua antiga Diana frágil com os olhos ainda fechados. – Fica aqui comigo!
    Diana levou alguns segundos a recuperar da emoção e com um sorriso que lhe iluminou o rosto sentiu que Duarte estava de volta à sua vida.
- Eu não posso ficar aqui… Mas volto em breve! Só tenho de ter mais um pouco de tempo... – Duarte não a deixou terminar. Levantou-se e foi-se embora. Ela queria-o novamente a part-time. Numa posição que lhe era confortável… confortável apenas para ela. Quando Duarte começou a subir os degraus virou-se para Diana com um olhar que a magoou. Ele olhou-a com uma tristeza que lhe pesou imediatamente na consciência. Teria preferido mil vezes que ele tivesse um olhar de ódio, mas aquela tristeza que lhe traspassou as feições atingiu-a como uma flecha.
- Sabes Diana, eu quero uma vida familiar estável… Eu quero passar o meu testemunho! – E com estas palavras Duarte virou as costas a uma segunda oportunidade.
    Diana não chorou. Não implorou. Não reagiu. Apenas voltou a focar aquela dança maldita das ondas que se balançavam numa harmonia provocadora. O que é que ela estava a oferecer a Duarte? Nada! Ela procurou-o sem ter preparado a sua vida para recebê-lo. Do que é que ela estava à espera? Meu Deus! Como poderia pedir ao homem que se disponibilizara para ela na totalidade e que mendigara um pequeno espaço na sua vida que continuasse nesse patamar? Ela sentia que estava a seguir o caminho errado, mas tudo lhe parecia impossível naquele momento. Ela não podia virar as costas à sua carreira, ao ordenado e bónus absurdos que tinha conseguido garantir, à sua pequena casa maravilhosa, ao olhar respeitador que outros empresários lhe deitavam quando avaliavam o seu trabalho. Ela tinha tudo aquilo que desejara ao longo de tantos anos. Como é que se podia dar ao luxo de fazer depender a sua felicidade de um homem? Não o podia fazer. Mas sentia um vazio, uma dor que lhe sufocava a vontade de gozar da sua boa vida. O lugar que Duarte deixara vazio começava a tornar-se num buraco negro que sugava tudo o resto.

    Diana queria aproveitar aquelas férias para se dedicar às pessoas que realmente lhe eram importantes. O café do Porto Pim continuava igual e o movimento de clientes condiziam bem com a época do ano. Diana entrou no café e depressa foi detentora de todas as atenções e carinhos. Os pescadores mimaram-na como ela merecia. A Guida e o Paulo deram-lhe um beijo rápido e voltaram-se para aquele movimento de gente. Até o Dr. Carlos se mostrou emocionada ao ver aquela rapariga que de um aspecto duvidoso lhe aparecia agora como uma verdadeira senhora. Diana que conhecia bem os cantos daquela casa pegou num avental, numa bandeja e começou a atender os estrangeiros que se acumulavam na esplanada. Sentiu uma leveza de movimentos que já há muito não lhe era comum, e os sorrisos começaram a moldar-lhe os lábios sem qualquer esforço. Diana atendia e trocava uns piropos com os turistas quase albinos em troca de umas gorjetas. E naquele momento Diana sentiu-se feliz, sem ter qualquer objectivo para atingir, sem ter uma pressão de concretizar grandes sonhos, sem precisar de fugir de misérias, sem que qualquer fobia se conseguisse instalar no seu espírito. A sua alma estava leve e os seus gestos fluíam sem preocupações tornando o seu semblante voador. Diana só voltou a sentir os seus músculos retraírem-se quando se sentiu observada e numa busca descarada de onde viria aquele olhar perturbador, Diana descobriu Duarte sentado numa mesa a observá-la com um sorriso palerma nos lábios. Diana dirigiu-se à mesa e com o seu mais sincero sorriso ofereceu os seus serviços.
- O que vai desejar o enfermeiro mais cobiçado das redondezas? – Duarte rasgou mais aquele sorriso agradado, mas pouco feliz.
- Uma Kima maracujá!
- Uma Kima! Ah! Há tanto tempo que não bebo uma dessas… Açoriano que é açoriano é leal aos seus produtos… - Diana foi buscar a bebida solicitada e aproveitou para fazer saltar a tampa a duas bebidas, uma vez que tinha intenção de acompanhar Duarte naquele refresco de fim de tarde. Quando voltou à mesa foi surpreendida por uma forasteira a passar a palma da mão descaradamente nos cabelos de Duarte. O beijo curto e natural que se seguiu e que foi aceite por Duarte com uma normalidade que fazia adivinhar a frequência deste acto, despertou em Diana o desespero da perda. Empinou o nariz e encheu-se de dignidade.
- Aqui está a bebida! Bom proveito! – Diana virou a costas com a altivez de uma rainha que fez Duarte sentir-se diminuído e impulsionando-o para fora da mesa tentando desculpar-se.
- Espera Diana! – Duarte agarrou o braço de Diana e conduziu-a para dentro do café que despertava tantas memórias agora que estavam ali de pé tão perto um do outro. Duarte concentrou-se nas suas desculpas. – Eu gostava que tivesses sabido de outra forma!
- Podias ter-me contado há dois dias atrás quando me rejeitaste! – Diana sentia que a sua altivez começava a fraquejar. – Eu pensei que estivesse a ser egoísta. Remoí a minha consciência em culpas… Afinal é muito mais simples. Tens outra pessoa na tua vida… Tudo bem Duarte!
- Ela chama-se Carla, é professora primária na Terceira… Vamos casar no final de Outubro. Ela tem os mesmos objectivos simples de vida que eu tenho. Eu quero ter finalmente a minha família Diana... – Duarte sentia verdadeiramente aquelas palavras. E vacilou perante a lágrima gorda que corria pela face de Diana.
    Diana levantou o seu olhar verde e penetrou a alma de Duarte com uma frieza que tinha adquirido ao longo dos tempos.
- Fico feliz por saber que vais casar por todos os motivos que não têm nada a ver com amor.
    Diana voltou as costas e decidiu que estava na altura de se redescobrir, de iniciar uma nova etapa sem a sombra de Duarte na sua vida!

PARTE III Capitulo XII

PARTE III

Capitulo XII

    O coração apertou-se quando a figura da ilha de S. Jorge surgiu no lado esquerdo, encaixado naquela janela minúscula do avião. A ilha elegante e esguia alongava-se num verde húmido, em que encostas altas escondiam fajãs paradisíacas. O avião aproximava-se do seu destino com uma calma não partilhada por Diana. A ilha do Pico mostrou-se numa ponta dupla que se alongava descaradamente em direcção ao mar, resultando num triângulo perfeito. Finalmente o Monte Queimado tão familiar surgiu no seu plano de visão, seguido do Monte da Guia que escondia uma enseada em forma de oito. O mar azul esbranquiçava-se contra o basalto negro da costa que se perdia no encontro perfeito com o verde luminoso dos prados dominados por vacas malhadas preguiçosas que comiam vagarosamente.
    O contacto do avião com a pista foi perfeito e as palmas surgiram para sobressalto de Diana que já não se lembrava daquele ritual. Desde que tomara cargos de direcção no grupo hoteleiro que viajara por toda a Europa e por alguns países da Améria do Norte e nunca se lembra de ter ouvido aplausos dentro do avião como acontecia sempre que aterrava naquela pista minúscula. Esta era uma recordação distante que lhe fora arrancada pelo momento, e que a fez tomar consciência do tempo que já passara desde a última vez que estivera na sua terra natal. Já se haviam passado mais de três anos, e esta constatação provocou-lhe um medo súbito, uma vontade desesperada de sair dali, de voltar para trás, para o conforto da vida que conquistara sozinha. O pânico apoderou-se da sua mente, o medo da miséria que aquela terra lhe tinha oferecido fizeram-na perder a noção de espaço e num respirar sôfrego um gemido libertou-se seguido de um chorar compulsivo. A senhora idosa que ressonara baixinho durante toda a viagem compadeceu-se de Diana e numa tentativa frustrada de a acalmar acariciava-lhe as costas da mão. A hospedeira desapertou-lhe o cinto e obrigou-a a engolir um pouco de água com açúcar repetindo que se tratava de uma situação normal. Diana focou-se no motivo que a conduzia àquela ilha e obrigou-se a acalmar. Encontrar Duarte era um motivo demasiado forte para se deixar envolver por velhos receios e ela sabia que naquela primeira semana de Setembro, Duarte estaria de férias no Faial.
    Assim que Diana começou a descer as escadas do avião, avistou Pedro e Raquel que lhe acenavam energeticamente. Aquela visão sossegou-lhe os nervos e iluminou-lhe o rosto num sorriso. Esperou a sua bagagem numa impaciência que antevia um abraço apertado do irmão. Sentia muitas saudades de Pedro, e Raquel fazia-lhe muita falta em Coimbra. Quando a amiga regressou para o Faial, Diana adquiriu o seu próprio cantinho. Tratava-se de um apartamento pequeno situado num condomínio privado onde podia disfrutar de piscina durante o ano inteiro, de um ginásio muito bem equipado e de dois campos de ténis. Tratava-se de pequenos luxos destinados apenas a moradores daquele “resort” como Diana chamava. Ela morava num pequeno paraíso, mas sentia sempre uma inquietação pesar-lhe no espírito e uma ânsia que qualquer coisa mais. Todas as metas que conseguia ultrapassar não eram devidamente apreciadas e um horizonte mais longínquo se fazia desejar no imediato. Havia uma insatisfação permanente que lhe gritava do fundo da alma para ser satisfeita, e apesar de todos os esforços, a ânsia de conseguir sempre um pouco mais dominava-a.
- Bicha do mato! Que saudades! – Raquel atirou-se ao pescoço da amiga assim que a viu.
- Bem-vinda de volta princesa! – Pedro pegou na irmã e fê-la rodopiar no ar activando instantaneamente a memória de Diana que recordava com carinho a quantidade de vezes que Pedro lhe fizera aquilo.   
    Diana gostou daquela imagem que transmitia união entre o irmão e Raquel. Ficou ainda mais agradada quando olhou para eles e percebeu que já não via um mecânico humilde e uma beta loura, mas um casal em que ambos se encaixavam sem que nenhum deles sobressaísse.
    Quando chegaram à porta da casa de Pedro, o peito de Diana apertou-se num vendaval de sentimentos e emoções. Pedro ficara com a casa onde ambos haviam vivido tantos dramas e passado tantas privações. Diana nunca entendera bem a motivação do irmão no que respeitava àquele lugar, mas aprendera a respeitar. O seu espanto reflectiu-se num descair de queixo assim que saiu do carro e os seus olhos fixaram-se no lugar onde se situava a velha casa. Em lugar dos degraus gastos e disparos que davam acesso ao velho balcão com uma porta tosca que rangia a cada contacto e que deixava antever a uma cozinha deprimente, os olhos de Diana encontraram uma casa simples, mas linda. As paredes brancas contrastavam com o negro do basalto que contornava portas e janelas. Apesar da aparência renovada, naquela casa, as suas misérias eram sentidas como se ainda o pai estivesse ali perto pronto para lhe levantar o punho cerrado. Era como se ainda ouvisse a velha zundap rugir furiosamente aproximando-se daquela ruína e despertando em Diana um sorriso frágil na antecipação da chegada do irmão.
    As paredes podiam agora estar brancas, a cozinha podia ser agora moderna, ampla e luminosa, mas Diana via o passado ali presente, sentia a miséria pairar por cima dos novos sofás de pele. Onde estava um jardim cuidado coberto por um relvado verdejante que suplicava ser pisado por crianças felizes, Diana só conseguia focar a imagem de um quintal moribundo e pouco fértil.
- Porque é que quiseste ficar com esta casa? – Diana aproveitou um momento a sós com o irmão.
- Porque estão aqui todas as minhas recordações da mãe.- Pedro sentou-se ao lado da irmã e abraçou-a com a mesma naturalidade com que o fazia há muitos anos atrás, para grande satisfação de Diana que sentiu repentinamente o peso da saudade daquela ternura que os unia.
- Podes recordar a mãe fora destas paredes! Este lugar causa-me arrepios!
- Nós temos visões diferentes das coisas. Os dias mais felizes da minha vida foram passados dentro destas paredes. Sim, existem muitas recordações menos boas… Muitas delas são horríveis mesmo… Mas todas essas vivências fizeram de mim a pessoa que sou hoje e conduziram-me à vida que tenho hoje… E eu gosto de mim e da minha vida.
- Ah! – Foi tudo o que Diana conseguiu verbalizar. Na verdade não percebia. A pessoa maravilhosa que o irmão era não se dissiparia se ele mudasse de casa.
- Sabes Diana? Por vezes sinto que a mãe ainda está aqui. Ouço a gargalhada dela fácil e contagiante sempre que eu lhe trazia um “ dente de leão” e soprava-o para a cara. Ainda a sinto choramingar sozinha dentro do quarto como o fazia sempre que voltava da cidade e via de longe a família que a continuava a negar. Sinto os seus passos pesados quando estava grávida de ti. E à noite quando fecho os olhos sinto um leve roçar dos seus lábios na minha testa.
    Diana silenciou-se durante uns momentos. Viveu naquela casa com uma ânsia desesperada de sair dali que nunca reparou nos pormenores e histórias que aquela casa guardava. Nunca tentou sequer descobrir a pessoa maravilhosa que a sua mãe foi.
- Achas que eu sou parecida com ela? – Diana sentia uma necessidade repentina de ter uma imagem nítida da sua progenitora.
- Fisicamente, vocês são muito parecidas. Ela também era muito bonita. Tinha os olhos iguais aos teus, mas a expressão do olhar é muito diferente.
- Como assim? – Diana despertou em si um corrente de curiosidade.
- A mãe tinha um olhar que se rasgava em sorrisos com a mesma facilidade com que os lábios o faziam. Tinha um olhar dócil e que transmitia uma paz confortável aos que a rodeavam. Ela possuía um ar descontraído e feliz que a tornava uma pessoa querida por todos. Quando ela era viva, nós éramos pobres na mesma, mas esta casa transbordava pequenas felicidades quotidianas. Os problemas existiam, mas ela tinha a capacidade de absorvê-los e transformá-los em coisas melhores. Ela sofria! Eu sei que sim, mas nunca se queixava. Guardava os sentimentos e situações menos agradáveis e protegia-nos a todos. – Pedro iluminava-se sempre que falava da mãe.
- Bem! Ela tinha um olhar bondoso! Já percebi! Estás a queres dizer que eu tenho um olhar demoníaco! – Diana lançou aquela afirmação em forma de brincadeira, mas no fundo esperava uma reacção sincera.
- Tu és um demónio! Rapariga laparosa! – Pedro aproveitou o tom descontraído para dizer a Diana aquilo que ela precisava de ouvir e digerir sobre si mesma. - Tu tens um olhar duro, por vezes frio! Não faz de ti má pessoa, até porque não o és! Mas tu tens uma forma diferente de lidar com as dificuldades. Foste acumulando rancores e concentrando-te em ti mesma e nos teus planos para mudares de vida.
- Então achas que me transformei numa pessoa amarga? - Diana tremeu perante aquela visão da sua pessoa.
- Amarga não é a palavra certa para te descrever, embora na minha humilde opinião te caracterize em parte. – Pedro inspirou fundo e escolheu as palavras o melhor que pode. – A mãe lidou com as dificuldades concentrando-se nas pequenas coisas boas e protegendo aqueles que amava das tristezas. Tu lidaste com as dificuldades passando pelas pequenas alegrias com demasiada pressa, sem nunca as teres vivido, e nesta tua pressa, tu corres em busca de uma vida melhorada sem teres disfrutado do tempo da tua vida que já passou. – Pedro pegou no rosto da irmã com um cuidado desnecessário e obrigou-a a focar os seus olhos. – Tens uma vida muito diferente, uma vida que desejaste muito e pela qual lutaste tanto… E agora pergunto-te. És feliz Diana?
    Diana encontrou a resposta àquela pergunta mais depressa do que desejaria, e encontrou no abraço apertado do irmão o conforto e compreensão da resposta que ficou por soletrar.

terça-feira, 19 de julho de 2011

CAPÍTULO XI

Capitulo XI
    Diana recebeu o seu irmão querido e os seus verdadeiros amigos com um carinho e atenção extremosos. Eles queriam participar pessoalmente naquele dia maravilhoso que marcaria o fim da sua licenciatura tão desejada e tão suada. Diana prezava e alimentava cada uma daquelas amizades diariamente, não querendo cometer o mesmo erro que havia cometido com Duarte. O espaço que se abriu na vida de Diana foi preenchido com uma dedicação extrema e por vezes doentia ao trabalho e ao estudo, culminando num resultado de excelência nos lucros do hotel e num orgulho paternal em todos os docentes da faculdade de economia.
- Ainda não estás pronta Raquel? – Diana gostava de arreliar a amiga que em ocasiões importantes sofria de stress crónico.
- Não tenho nada para vestir. O Pedro vai achar-me uma pelintra se me vir neste vestido horroroso que comprei para hoje… Mas que raio é que me passou pela cabeça para comprar esta porcaria! – Diana reprimia uma gargalha ao olhar para aquela bagunça de roupa que se espalhava em cima da cama de Raquel.
- Isto faz-me lembrar o baile de finalistas… Não mudaste nadinha beta!
- Então ajuda-me a escolher o que vestir! - Diana atirou-lhe o vestido que Raquel tinha comprado propositadamente para a ocasião.
- Este vestido é lindo! Não inventes problemas! – Diana ajudava a amiga a enfiar-se dentro daquele vestido azul enquanto desabafava. – Tenho tanto orgulho em nós Raquel…
- Também eu, Diana! – Raquel sentiu uma emoção que ameaçava estragar-lhe a maquilhagem. – O Bernardo foi muito gentil em organizar este jantar de comemoração no hotel. Nunca imaginei que tivéssemos tantos amigos que fizessem questão de estar presentes no fim da nossa licenciatura.
- A sala do restaurante vai estar cheia. – Diana não conseguiu evitar um sorriso triste ao lembrar-se que Duarte não estaria presente. Já se havia passado mais de um ano e Duarte continuava a ocupar exactamente o mesmo lugar nos sentimentos de Diana. Era como se existisse um fio invisível que a ligasse a ele, e Diana não conseguia cortar esse fio para ligá-lo a outra pessoa.
    Os pais da Raquel, José Gaitinha, Manuel, Mário, Guida e Paulo estavam todos hospedados no hotel a convite de Bernardo. Só Pedro estava no pequeno apartamento com as raparigas, uma vez que não desperdiçava um único momento para estar perto da sua Raquel. Ele tinha grandes planos para aquela noite. Arranjou-se com um aprumo excessivo, preparando-se para uma noite que iria ocupar um lugar especial nas memórias da sua vida. Finalmente sentia que podia dar a Raquel a vida que ela merecia. Com a ajuda da irmã, possuía neste momento o monopólio de todos os serviços relacionados com o ramo automóvel nas três ilhas que formavam o triângulo do arquipélago. Tinha um negócio de vendas de automóveis com serviços de oficina e rent-a-car que garantia emprego a dezenas de pessoas. Ele tinha ajudado a irmã a sobreviver e a seguir os seus sonhos e ela tinha-o presenteado com a partilha da sua força sobre-humana e juntos estavam a conquistar tudo aquilo que o início das suas vidas lhes tinha ameaçado privar.
- Vamos meninas que estamos a ficar atrasados. – Pedro gritava da sala como se o quarto onde elas acabavam os últimos retoques ficasse a léguas de distância. Quando Pedro teve o privilégio de deslumbrar os olhos com a visão da sua Raquel naquele vestido azul em que o corpete justo salientava os seios, teve a certeza de que aquela seria a noite certa.
   A entrada no restaurante do hotel foi feita com uma recepção que floriu em aplausos e algumas lágrimas. Diana parou uns segundos à entrada da sala para saborear aquele momento com um snobismo que se deu ao luxo de sentir. Novamente tinha sido capaz de juntar numa mesma sala pessoas de diferentes quadrantes sociais. Estavam reunidos num hotel de luxo pescadores desdentados que comiam de boca aberta e que partilhavam histórias da vida dura e sofrida de Diana com professores catedráticos. Os pescadores assim que a viram correram ao encontro dela.
    - Ah bicha! Estou tão orgulhoso de ti! – José Gatinha abraçava aquela menina com a emoção do mais dedicado dos pais.
    - Diana! Diana! Tu encheste a vida destes três velhos! Desde que apareceste nas nossas vidas que nunca mais fomos os mesmos. És o orgulho das nossas vidas! – Mário esticava-se para lhe dar beijos ruidosos na testa enquanto acompanhava José nas lágrimas emocionadas.
    - Sabes Diana! Alegra-me muito que nos recebas de braços abertos sem vergonha de nós Diana! – Manuel com o peito cheio esforçava-se para não mostrar a emoção. – Foste a única aposta bem-sucedida nas vidas destes velhos. – E com estas palavras foi impossível evitar as lágrimas, que num abraço apertado a quatro, foram partilhadas. Guida e Paulo juntaram-se ao grupo e às emoções e foi nesta partilha que Bernardo encontrou Diana. Quando esta conseguiu recompor-se e encontrar novamente as funções das suas cordas vocais estranguladas passou às apresentações. Apresentou um dos empresários hoteleiros mais bem-sucedidos do país àquele grupo de gente humilde e brilhou de orgulho quando percebeu que aquela gente conquistava a simpatia de todos aqueles que tinham o coração aberto e não sofriam de preconceitos.
    O restaurante apresentava um conjunto de mesas grandes redondas, em que no centro se situava a mesa maior onde se sentava Diana e Raquel com as respectivas famílias e amigos próximos. Nas outras mesas estavam muitos colegas de curso de Raquel que a tinham acompanhado naquela jornada, quase todos os professores de Diana e os empregados do hotel. Não havia uma única pessoa dentro daquela sala a partilhar aquele momento cuja estima Diana não tivesse conseguido conquistar, e perante a evidência deste facto Diana sorriu interiormente percebendo o quanto ela era capaz de ganhar.
    O jantar decorria num envolvimento barulhento de talheres e burburinhos.
- Obrigada por este momento maravilhoso Bernardo! – Diana sussurrou este agradecimento de forma sentida.
- Eu é que agradeço a oportunidade de conhecer um mundo de afectos e lealdades que nunca me acompanhou ao longo da vida. – E dito isto, Bernardo voltou a sua atenção à conversa que estava a ter com José Gaitinha. Bernardo estava a criar uma afinidade com aquele velho e ria-se das histórias voluntárias que Gaitinha ia contando.
- Eu bem dizia que tu ainda me havias de levar a comer em sítios finos. – Gaitinha gabava-se das suas previsões.
- Mas só porque te portas como um verdadeiro cavalheiro José. - Diana arreliava-o fazendo as delícias dos presentes.
- Nunca imaginei que um lugar fino como este servisse comida normal. – Este comentário de Mário provocou uma gargalhada geral na mesa.
- Então Mário? O que é que pensava que eu servia no meu restaurante? – Perguntou Bernardo com uma curiosidade crescente.
- Ora! O que agente vê nos filmes que mostram os comeres dos ricos! Aquilo é uma aguinha com uma folhinha a boiar e depois é um prato demasiado grande para tão pouca comida!
    A gargalhada alastrou-se e provocou um burburinho de comentários e opiniões, que só foi interrompido por um tilintar. Tratava-se de uma colega de Raquel que pedia a atenção dos presentes.
- Na qualidade de presidente da Associação Académica queria agradecer a dedicação, trabalho e o contributo que a Raquel deixa nesta instituição. Preparámos uma pequena surpresa de despedida. – E este foi o sinal para a entrada da tuna masculina da faculdade de psicologia que se colocou solenemente em frente às duas finalistas e começou a tocar o fado da despedida. Só agora naquele momento Raquel sentia o peso daquelas palavras e a tristeza daquela melodia. Para ela era o fim da sua vida em Coimbra. Ela ansiava voltar ao Faial e começar lá uma nova etapa, mas não conseguia evitar a nostalgia do momento. “ Coimbra tem mais encanto na hora da despedida”.
    Pelo meio dos tocadores, Pedro surgiu e finda a música, ele colocou um joelho no chão como manda a tradição que nunca lhe foi ensinada e com uma caixinha esticada na direcção de Raquel formalizou o pedido que lhe traria uma das maiores alegrias da sua vida.
- Raquel! Queres começar esta nova etapa da tua vida comigo? – E com a voz trémula o pedido saiu-lhe dos lábios com a emoção própria do momento. – Aceitas casar comigo?
    Raquel atirou-se nos braços de Pedro sem o deixar levantar e sem ter sequer olhado para o conteúdo da caixa. O anel não importava. O que lhe importava era o sentimento e perspectiva futura de vida que os unia.
- Bem… Suponho que seja um sim! – Foi o pai de Raquel que concluiu a resposta que ficou por verbalizar. – Hoje é uma noite de grandes comemorações… Mesmo que viva cem anos nunca vou esquecer estas emoções… - E virando-se para Bernardo o Dr. Guilherme continuou. – Você sabe como dar uma festa meu caro… - E erguendo o seu copo cheio suscitou sem palavras um erguer voluntário de todos os copos daquela sala e o brinde foi formalizado entre desejos de felicidades aos noivos e de sucessos às finalistas.

    Era conformismo, aquilo que lhe pesava no peito. O mais vulgar dos sentimentos apoderava-se de todo o seu ser. Diana sentia-se de uma grandeza de espírito e capaz de tudo, mas quando pensava na sua vida amorosa era apenas conformismo que encontrava. Era um sentimento frustrante e ao mesmo tempo fácil, que a isentava de qualquer culpabilidade. Mas este conformismo estava a transformar-se em arrependimento.
- Diz-me uma coisa Guida! – Diana passeava com os seus conterrâneos por Coimbra. Percorriam vagarosamente os jardins da Quinta das Lágrimas e Diana pegou no braço de Guida e afastou-se um pouco.
- O que é que te apoquenta? – Guida deixou o braço de Diana entrelaçar-se no seu começou a afagar a mão da rapariga num gesto que intuía uma necessidade de demonstração de apoio.
- Nunca mais soubeste nada do Duarte? – Diana finalmente formalizava o pedido que lhe atormentava o espírito. Tratava-se principalmente de um pedido de notícias.
- Ele já foi passar férias ao Faial por duas vezes, e vai sempre ao café.
- Ele disse-te porque é que se afastou de mim daquela forma Guida? Achas que eu estava a ser demasiado egoísta, sempre a pensar em mim, sempre a falar de mim? Achas que ele se fartou de mim? – Diana sentia uma palpitação acelerada no peito antecipando aquela resposta.
- Tu não percebeste nada Diana! Tu portaste-te muito mal com o Duarte, mesmo sem saberes! E mesmo assim se tivesses lutado só um bocadinho ele perdoava-te tudo… - Guida deixou de acariciar a mão de Diana.
- Perdoava o quê? – Diana deixou de tentar conter a angústia. Sentou-se nas raízes volumosas da Árvore-da-borracha cuja sombra foi testemunha de uma grande história de amor entre D. Pedro e D. Inês de Castro.
- Tu começaste a afastar-te dele, Diana!
- Mas eu amava-o tanto Guida! Não é justo que ele tenha desconfiado disso!
- Ouve-me até ao fim! – Guida pegou no queixo de Diana e fê-la focar o seu olhar no dela. Queria que Diana percebesse o quanto tinha magoado Duarte, e queria ver a reacção da rapariga face esta constatação. – O Duarte tirou férias na Páscoa para poder estar contigo. Mas tu estavas demasiado ocupada por aqui, com o teu novo trabalho, com o teu curso… E como ele estava cansado de esperar a altura certa para um telefonema, a altura certa para uma visita, a altura certa para uma simples troca de palavras afectivas, resolveu vir passar as férias da Páscoa contigo.
- Mas ele não veio! Porquê?
- Aí é que tu te enganas! Nos dias antes da viagem ele só planeava como te havia de surpreender. Queria que fosse numa altura em que visse a felicidade luzir no teu olhar só pelo simples facto de ele estar ali. Na véspera fui com ele comprar um fato todo janota, e ele decidiu que te surpreenderia no baile que tinhas depois de um jantar de trabalho. – Guida ficou a olhar para Diana à espera de uma reacção de compreensão que não obteve. – Lembras-te do que aconteceu nesse baile?
- Eu não vi o Duarte nessa noite! Não estou a perceber! – Diana fazia um esforço de memória e tinha a certeza de que não tinha visto Duarte nessa noite. Estava baralhada nas ideias, ansiosa por compreender e um pouco feliz por saber que Duarte tinha sido capaz de um gesto daqueles por ela.
- Ele entrou no baile e viu-te a beijar outra pessoa. – Os olhos de Diana finalmente arregalaram-se de horror quando a mente se iluminou de compreensão.
- Mas isso foi um mal-entendido! Oh Guida! Eu não acredito! – Diana tentava organizar o transbordar de ideias que lhe atravessavam o cérebro. – Eu beijei o Bernardo para o defender da humilhação que a ex-mulher o estava a fazer passar! É evidente que eu não ia esconder uma coisa destas do Duarte… Nunca mais sequer pensei no assunto… Isso não foi nada… Foi só um mal-entendido! – Diana chorava e ria ao mesmo tempo percebendo que Duarte não se fartara dela, não a achava egoísta e ainda a amava. Mas isso situava-se num tempo com um ano e meio de distância.
- Foi um mal-entendido, dizes tu? – Guida queria que Diana percebesse onde que realmente errara, e não tinha sido naquele beijo. – E o que fizeste para resolver esse mal-entendido, Diana?
- Eu! Como é que querias que eu me justificasse se nem sabia o que tinha acontecido?
- E durante quanto tempo é que lutaste pata ter uma resposta, Diana?
    Não tinha sequer tentado. Entrara num mundo de pressupostos sem sequer ter lutado por justificá-los ou defendê-los. Foi mais confortável e muito mais fácil assim. Chegou às suas próprias conclusões infundadas e seguiu o seu caminho sem se dar ao trabalho de explorar a verdade que tristemente se escondia. Não tinha mexido uma palha para aprofundar aquela questão, para descobrir o que se passava na cabeça de Duarte. Sentia-se envergonhada, mas principalmente zangada consigo mesma. Arregaçava as mangas e esforçava-se até onde ninguém mais era capaz para crescer num emprego, e não tinha sido capaz de um pequeno esforço numa relação tão importante. Como é que aquela rapariga que tinha conquistado a admiração de tantas pessoas que eram de contentamentos difíceis, tinha sido capaz de abrir mão tão facilmente da estima de alguém que a amava de verdade, sem lhe exigir nenhum esforço para que este sentimento surgisse. Duarte abrira-se para ela sem que ela tivesse que o conquistar e ela não foi capaz de o manter, trocou-o por um mundo que só lhe surgiu com muito esforço, muita luta, muita conquista. Duarte merecia que ela lutasse por ele e era exactamente isso que ela iria fazer.

domingo, 17 de julho de 2011

CAPÍTULO X

   Capitulo X


    Diana sentia-se sozinha naquela semana em que Raquel tinha ido ao Faial e Duarte não lhe atendia o telemóvel. Não sabia que turno lhe estava destinado no hospital e sentiu que a vida de Duarte lhe estava a escapar. Antes sabia todos os passos do namorado com uma antecedência natural e agora estava desesperada porque não conseguia contactá-lo e pior, nem sabia qual a melhor altura para fazê-lo. A última vez que falara com ele foi há quase uma semana, na véspera do jantar no hotel. Diana fazia um esforço de memória, mas não se conseguia recordar dele ter mencionado nada acerca dos seus planos para a páscoa ou do trabalho que ia fazer. Só tinham falado nela e na vida excitante que ela agora levava. Aliás, Diana não se conseguia lembrar da última vez que haviam falado de Duarte ou da sua rotina no Faial. Nem conseguia recordar-se em que serviço do hospital é que ele estava nos últimos tempos. Este desespero crescente de falta de notícias e de informação estava a evidenciar um lado egoísta de Diana, que a rapariga não queria aceitar. As coisas apenas se proporcionaram assim. Ela ficava muito feliz quando Duarte vencia uma determinada etapa da sua vida, e apoiava-o sempre que ele precisava de lutar para chegar a um determinado objectivo. Só não se conseguia lembrar de uma única ocasião em que ela o tenha apoiado para que ele conseguisse atingir um objectivo de vida. Agora que pensa nisso o único desejo que conhece em Duarte é a vontade incomensurável de começar uma vida com ela, com a namorada que tem deixado a vida dele passar-lhe ao lado. Diana sentiu um incómodo crescente que lhe subia pelas entranhas e a sufocava em soluços altos e repetidos. Queria tanto compensar Duarte e ele não lhe atendia o telemóvel. E se lhe tivesse acontecido alguma coisa? Não se conseguia lembrar da última vez que disse que o amava… Ou se alguma vez o tinha dito…
- Estou? Pedro? – Diana mostrava uma voz desesperada para grande preocupação do irmão que lhe atendia o telemóvel com uma voz arrastada.
- Então princesa? Está tudo bem?
- Não consigo falar com o Duarte há uma semana. Sabes dele?
- Ele foi passar a Páscoa fora da ilha. Pensei que tivesse ido ter contigo. – Pedro tentava ordenar as ideias de forma a poder ser mais útil à frustração da irmã.
- Não veio ter comigo, como é evidente!
- Mas ele andava tão misterioso… E tinha férias na Páscoa… Isso eu sei que tinha… E…
- Misterioso como? Será que andava com algum problema?
- Não, princesa! Ele até andava feliz, mas não dizia porquê, como se estivesse a preparar alguma surpresa boa… Era mais esse tipo de misterioso.
    Diana prolongou o silêncio que se seguiu sem desligar o telefone. A cabeça dela pesava toneladas e as ideias não fluíam como habitualmente.
- Fazes-me um favor Pedro?
- Claro mana… Tudo o que precisares.
- Amanhã vai ao hospital e pergunta se sabem alguma coisa… Ou pelo menos em que data é que ele regressa ao serviço…
- Fica descansada! … Talvez tenha ido à Terceira… Ele estava sempre a dizer que queria falar de ti àquele padre que o criou. – Pedro tentava dar um último descanso à irmã. – Até dizia que queria que fosse ele a casar-vos assim que terminasses o curso…
    Diana agarrou-se àquela suposição com a força da verdade e convenceu-se de que estava a ser palerma. Ele só não lhe tinha dito que ia à Terceira porque ela não lhe deu oportunidade para isso. Sempre a falar dos problemas dela, dos objectivos dela, dos sonhos dela… Diana fez uma promessa interior… Que a partir do momento em que voltasse a ter um contacto com Duarte passariam a partilhar sonhos e projectos de vida em igual medida.
    A noite foi dormida num pesadelo acordado, em que imagens de acidentes lhe passavam pela mente sempre com a cara de Duarte em evidência. A escuridão foi vivida numa ansiedade sôfrega e o dia chegou devagar para tormento da espera prolongada. Diana saiu de casa com o pensamento longe, levando o quotidiano inalterável sem sequer pensar nas suas acções. Entrou no hotel distribuindo cumprimentos matinais sem reparar a quem. Quando finalmente o telemóvel tocou e Diana atendeu-o sem dar oportunidade de pronúncia de um segundo toque.
- Estou! Princesa! É o Pedro.
- Então? Foste ao hospital? Já sabes alguma coisa?
- Já!... – Pedro fez uma pausa e inspirou fundo preparando-se para dar um desgosto à pessoa que mais amava na vida. – Tens de ser forte para o que te vou dizer!
- Aconteceu alguma coisa de grave ao Duarte! – Diana sentia a aflição na sua voz e a ansiedade da resposta no seu peito.
- Não! Fica descansada…
- Então? O que é que se passa Pedro? Desembucha homem que me matas!
- O Duarte tirou férias como já te tinha dito…
- E quando é que ele volta? – Diana sentia o coração começar a aclamar-se.
- Não volta! Receberam ontem um pedido de transferência do Duarte para outro hospital.
    Após uns momentos de perplexidade que se evidenciaram numa falta de conversação momentânea, Diana refez-se da surpresa.
- Para que hospital pediu ele transferência? – Diana tomou consciência que não havendo outro hospital naquela ilha, restavam duas alternativas. Ou ele não tinha aguentado a distância e tinha pedido transferência para Coimbra… Ou ele estava a fugir dela. Diana rezou intimamente para que fosse a primeira hipótese.
- Ele voltou para a Terceira… e não avisou ninguém…
    Diana sentiu o seu mundo desmoronar-se. Todas as suas vontades pareceram-lhe insignificantes face à perda que hoje estava a sofrer. Como é possível deixar-se escapar de uma forma tão tola e até mesquinha aquilo que realmente a faz feliz, aquilo que a preenche totalmente. Quantas vezes um simples sorriso de Duarte tinha sido suficiente para lhe aliviar algumas amarguras? Quantas vezes um simples abraço dele tinha-lhe feito desaparecer tantas mágoas? Quantas vezes um simples amo-te tinha-lhe dado forças para continuar a lutar? E agora? Diana sentia-se vazia, sem norte e sem sul, ela olhou aquele escritório que lhe lembrou tudo o que ela conseguiu alcançar, mesmo sem ter terminado o curso e pareceu-lhe muito pouco comparado com o que Duarte lhe dava. Ela tem desejado e lutado com demasiada força por um lugar no mundo e esqueceu-se de que o melhor lugar para ela era ao lado de Duarte.
- O que se passa Diana? – Bernardo entrou no gabinete de Diana e encontrou um cenário escuro onde a rapariga estava sentada num canto com as pernas encolhidas, e abraçadas por uns braços que tremiam a cada novo soluço.
- Perdi uma parte importante da minha vida! – Diana soluçava e deixava que as palavras lhe saltassem da boca num desabafo libertador. – Hoje eu perdi uma parte importante de mim!
    Sem perceber bem do que se tratava, Bernardo sentou-se ao lado dela e abraçando-a deixou-a chorar. Passado um tempo não contabilizado, mas que se reflectia na dormência dos membros, Diana levantou-se enxugou as lágrimas e contou a sua história com Duarte. Bernardo ouviu-a sentado naquele canto da sala e sentiu-se diminuir a cada relato de Diana. Sentiu inveja daquele homem desconhecido que despertava tantos sentimentos em Diana. Bernardo sentia uma luta interior para não se esperançar com a desgraça daquela rapariga que lhe tomava conta das emoções. Não era correcto felicitar-se com o fim de um romance que podia proporcionar tantas alegrias a Diana. Ele não podia ser egoísta ao ponto de querer enterrar Diana na sua vida estéril. Mas a verdade é que no seu íntimo sentia uma dor lancinante do ciúme e não conseguia deixar de sentir uma satisfação interior pelo fim daquele romance. Ia apoiar Diana no que ela precisasse e aprenderia a lidar com uma amizade sincera sem esperar mais em troca. Quando Diana voltasse a encontrar alguém que lhe preenchesse este vazio amoroso que Duarte lhe deixara, ele aprenderia a aceitar essa nova pessoa na vida de Diana. Esta era uma decisão difícil, mas que Bernardo, contra todos os seus instintos ia seguir.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Capitulo IX

Capitulo IX

    As férias da Páscoa aproximavam-se a um ritmo alucinante e Diana sentia-se pressionada por Duarte a ir ao Faial. Este tinha sido o tema de discussão do último telefonema, em que Duarte lhe pedia uma data para a sua chegada e ela tentava adiar o assunto. Diana ansiava provar que era merecedora daquele voto de confiança. O hotel de Coimbra era o hotel mais pequeno do grupo e sabia que estavam a testá-la para saber até onde iam as suas capacidades. Ela queria estudar o tipo de clientes, as épocas altas, as várias ofertas ao longo dos anos e a receptividade a cada uma delas de forma a poder aumentar o lucro daquele hotel. Não se podia dar ao luxo de tirar férias nesta altura, em que finalmente se tinha aberto uma porta inteira à frente. A vida tinha-lhe oferecido um atalho confortável para chegar onde tanto ambicionava e não tinha tempo para lamechices. Tinha uma vida inteira para amar, mas só tinha um momento para brilhar.
    Diana ocupava um gabinete mais confortável do que bonito, com um cadeirão em pele onde ela poderia confiar horas a fio de trabalho sem ficar com dores no corpo. Aquele cubículo passou a ser a sua segunda casa, onde trabalhava, estudava e tomava as suas principais refeições diárias. Diana trabalhava num protocolo com os países Palops, de forma a aproveitar os estudantes dos países africanos que vinham estudar para Coimbra pelo prestígio que isso significava. Muitos destes estudantes eram filhos de embaixadores, políticos e empresários influentes que visitavam os filhos frequentemente e precisavam de um sitio que os acolhesse com uma naturalidade que os fidelizasse.
- Posso entrar Diana? – Diana estacou todos os seus movimentos por uns segundos ao reconhecimento daquela voz.
- Claro! O Bernardo está em casa! – Bernardo estava de pé encostado à ombreira da porta como se ainda estivesse a decidir se devia entrar ou não. Quando Diana finalmente levantou o olhar e o focou, viu um homem igualmente atraente, mas mais pálido e magro.
- Sei que já conquistou a estima de todos aqui no hotel. Esse é o primeiro acto de um grande chefe. Fico satisfeito por saber que não me enganei a seu respeito Diana. – O sorriso débil que Bernardo lhe dedicou fez ruir qualquer muralha que Diana tentasse impor naquele momento.
- Sente-se Bernardo… Ou devo passar a trata-lo por Dr. Bernardo? – Diana sentia-se próxima daquele ser humano, mas não sabia se era um sentimento permitido.
- Tratas os teus outros amigos por doutor?
- Ah! Somos amigos? – Diana sentiu um alívio que escondeu por um pouco mais de tempo tentado mostrar a sua insatisfação com Bernardo. – Não estou habituada a que os meus amigos desapareçam.
- Eu sei que provavelmente devo-te uma satisfação. – Bernardo não acompanhava o sorriso que Diana finalmente deixara estampar no rosto. – Vamos tomar um café fora daqui, como nos velhos tempos?
    Como resposta Diana levantou-se prontamente entrelaçou o seu braço no de Bernardo e saíram. Instintivamente, Bernardo conduziu-os à esplanada junto ao rio Mondego, como se aquele lugar onde tinha iniciado a sua história a Diana fosse o lugar ideal para terminá-la. O chá fumegava na mesa, aconchegando um pouco o frio que se começava a fazer sentir e Bernardo voltou a fixar aquelas águas falsamente calmas.
- Tenho cancro! – Esta afirmação fez Diana deixar cair a chávena, tentando limpar o líquido que se espalhava sobre a mesa desajeitadamente. Bernardo pegou-lhe em ambas as mãos e fixou-lhe aqueles olhos verdes marejados de lágrimas. – Vou contar-te o resto da minha história. Queres ouvir?
    Incapaz de verbalizar um único pensamento, Diana limitou-se a acenar afirmativamente a cabeça. O empregado limpou a mesa, voltou a abastecer o chá, e discretamente afastou-se.
- Como te disse fui casado durante dezoito anos. Na data do nosso décimo sétimo aniversário de casamento, viajámos até Nice. Temos lá um hotel, na Baía dos Anjos, onde podemos usufruir de oito quilómetros de praia com um cenário idílico dos Alpes ao fundo. Era o lugar ideal para resolvermos algumas situações entre nós enquanto casal. – Bernardo fez uma pausa e baixou o olhar, fazendo prever que ia iniciar um relato da sua vida privada que lhe era doloroso. – Já há algum tempo que não tínhamos qualquer tipo de intimidade. O problema estava em mim claramente. Sempre pensámos que fosse do stress, que fosse resultado de um quotidiano sempre apressado. Pensámos que uns dias em Nice longe do quotidiano, dos problemas, dos telefonemas fosse a solução perfeita e depositámos muita fé naquela viagem. A Carla tinha uma esperança viva de que engravidaria nessa viagem e chegámos a esse paraíso com um punhado de desejos no bolso. – Bernardo fez uma nova pausa e mirou Diana, aquela rapariga que lhe tinha voltado a aguçar as emoções e sentiu-se humilhado enquanto homem. – Não resultou e a viagem tornou-se num inferno. A desilusão da Carla foi devastadora… Tão devastadora que conduziu a situações embaraçosas. No nosso quarto dia em Nice, fomos jantar a um restaurante à beira mar. Esse era o dia que queríamos festejar… Era o dia em que fazíamos anos de casados. O jantar começou num silêncio constrangedor, e a Carla foi bebendo e bebendo… Havia uma pista de dança no restaurante e ela foi para a pista demasiado alcoolizada e agarrou-se a um homem que estava ali sozinho claramente à procura de uma companhia fácil. Eu fui tentar resgatá-la e ela fixou-me com um olhar demasiado lúcido para quem estava embriagada e disse-me “ deixa-me, que esta noite eu quero um homem em plenas funções deitado ao meu lado”… - Bernardo sentiu a voz falhar-lhe, mas bebericou mais um pouco de chá e obrigou-se a continuar. – Aquelas palavras explodiram na minha cara e marcaram o fim do casamento. Quando voltei para Portugal, juntei toda a coragem que consegui e procurei um médico para tentar perceber a origem desta minha disfunção. Foi neste seguimento que descobri que tinha cancro da próstata… E foi neste momento que tomei consciência da minha impotência.
    Diana agarrou a mão de Bernardo e beijou-lhe a palma da mão num gesto repetido do passado.
- Isso não diminui o homem que és Bernardo! E não dá direito a que te humilhem. – Diana deixava as lágrimas gordas rolarem-lhe pela face sem vergonha. – A tua ex-mulher não presta. Ninguém que tenha coragem de se agarrar a uma fraqueza de outro ser humano da é merecedor de estima. Mas o que importa é a tua doença. Como é que estás neste momento?
- Quando descobri o cancro já estava avançado. Fiz quimioterapia e todos os demais tratamentos e pelo meio assinei os papéis de divórcio. Vou poupar-te pormenores. Neste momento já tenho a doença espalhada pelo intestino.
    Diana levantou-se, contornou a mesa e sentou-se no colo de Bernardo abraçada a este e embalando-o como se conseguisse diminuir-lhe o sofrimento.
    Os dias seguintes foram passados sem que aquele assunto que os assombrava fosse sequer mencionado. Diana já havia decidido que não ia ao Faial naquelas férias, e desculpou-se com o facto verdadeiro de haver um jantar de chefias para todo o grupo hoteleiro. Era uma oportunidade para Diana partilhar experiências com outros directores dos restantes hotéis e aprender melhores práticas. Duarte aceitou a desculpa com uma facilidade ensaiada, uma vez que planeava fazer uma surpresa a Diana.
- É pena não estares aqui para ires comigo ao jantar! – Diana estava estendida no sofá com a cabeça deitada no colo de Raquel, enquanto falava com Duarte ao telefone. – Adorava voltar a ver-te vestido de smoking. E depois do jantar vai haver um baile em que poderíamos dançar muito abraçadinhos como fizemos no baile de finalistas. Lembras-te?
- Eu lembro-me de todos os momentos que já passei contigo! – Duarte planeava chegar a Coimbra e surpreender a namorada. Queria sentir a felicidade estampada no rosto dela só pelo simples facto de o ver. – Onde é esse jantar?
- Vai ser no hotel! No restaurante do hotel. E depois vai haver uma banda ao vivo e uma pista de dança e bar aberto para os aventureiros!- Diana deixou escapar uma gargalhada maldosa que foi acompanhada por Duarte. - Mas esta parte vai ser na sala de conferências. – Pronto! Duarte já tinha decidido. Ia aparecer no baile vestido com o seu smoking e agarrá-la-ia pela cintura e fá-la-ia redopiar e sorrir de prazer.
    O sábado esperado chegou sem pressas nem premonições. Diana e Raquel percorreram as lojas da baixa de Coimbra em busca do vestido perfeito. Foi Raquel que o encontrou, um vestido longo preto que delineava o corpo de Diana numa perfeição que não se adivinhava nas roupas quotidianas. Almoçaram numa tasca onde o atendimento fazia lembrar o café do porto pim.
- Tenho saudades do café… - Diana sentia-se saudosista naquele dia solarengo.
- Também eu amiga! – Raquel deliciava-se com o bitoque que continha todas as calorias tão desejadas ao longo de duas semanas de dieta.
- Sabes que daqui a um ano e três meses termino o curso!
- Terminamos as duas… E vamos fazer uma festa de arromba, Diana! Porque nós merecemos!
- A Guida disse-me que eles vêm à nossa queima das fitas. – Diana sentia um orgulho por saber que tinha amigos que fariam sacrifícios nas suas vidas para estarem presentes no momento mais importante da sua vida. Um momento que foi desejado, programado e concretizado em conjunto, e em que a beneficiária era apenas ela.
- Eu sei! Quando entraste para a faculdade e disseste que já não precisavas do dinheiro do pote, em vez de dividirem-no continuaram com a poupança para poderem vir cá.
    A noite chegou numa calma aparente e dentro do pequeno apartamento de Celas, Raquel esticava o cabelo de Diana enquanto palravam planos para o futuro. O resultado final foi do agrado de ambas. Diana envergava um vestido preto comprido que lhe delineava uma forma esguia e perfeita. O cabelo impecavelmente esticado e brilhante enrolava-se na perfeição num coque de bailarina. A ornamentar tinha apenas uns brilhantes pequeninos nas orelhas, e uma gargantilha em ouro branco que fazia conjunto com uma pulseira discreta, pertences da amiga Raquel.
- Estás deslumbrante Diana!- Raquel emitia os gritinhos de satisfação que lhe eram característicos quando estava entusiasmada. – Oxalá não encontres a Fátima Lopes pelo caminho… Ou ela rapta-te para fazer de ti uma modelo internacional…
    O Lexus estava estacionado pontualmente fora da sua porta e o motorista Adelino, não escondeu um sorriso de aprovação quando viu a rapariga. Só quando chegou à porta do restaurante do hotel é que Diana sentiu o nervosismo alojar-se nas suas entranhas. Empinou o queixo, fingiu um ar seguro e entrou num passo lento medindo o território que se estendia à sua frente. Assim que a viu, Bernardo sentiu que o seu coração parava e repreendeu-se intimamente por se deixar levar por aquele tipo de emoções. No entanto, não resistiu a deixar os convidados para ir recebê-la e garantir um lugar a seu lado naquele jantar.
- Estás magnífica Diana! – A rapariga corou um pouco e retribui o elogio sem dificuldade, uma vez que Bernardo emanava charme e sedução. Diana sentiu-se integrada naquele meio e depressa se adaptou às conversas e conquistou a simpatia dos presentes. Questionou sem embaraços e no meio de uma noite divertida manteve-se astuta aprendendo práticas e dicas de gestão dos outros hotéis.
    Findo o jantar, os presentes passaram à sala ao lado para a animação do baile. A banda não se fez envergonhada e começou a tocar convidando os pares a embalarem-se naquele ritmo delicioso. Diana conversava descontraidamente com os seus novos conhecimentos, mas os seus olhos perscrutavam a sala descansando apenas num contacto visual com Bernardo. Ele era detentor de toda a sua preocupação, e Diana queria muito vê-lo feliz. A amizade de que ela tinha beneficiado e que a tinha favorecido sem oportunismos queria agora oferecê-la a Bernardo. Queria que ele sentisse nela o mesmo que havia sentido no Café do Porto Pim… Uma amizade incondicional capaz de o pulsionar para um patamar de felicidade superior. A intuição de Diana captou uma rigidez imediata no corpo de Bernardo e captou-lhe a falta repentina de cor na face. Aproximou-se apressadamente dele temendo pela saúde dele.
- Está tudo bem Bernardo? – Diana entrelaçou o seu braço no dele e à falta de resposta encaminhou-o para uma mesa reservada. – Sente-se bem? Diga alguma coisa que me está a pôr nervosa.
- Vês o casal que acabou de entrar?
- Diana obrigou-se a desviar o olhar de Bernardo e focou um casal que tinha acabado de entrar na sala. Tratava-se de um homem de meia-idade de estatura média que começava a ter de lidar com a calvície. Era uma homem que passaria despercebido em qualquer lado, não fosse a companhia da mulher mais alta do que ele. Era uma mulher alta de feições redondas que não sendo muito bonita era bastante vistosa. Envergava um vestido vermelho com um decote demasiado pronunciado que deixava adivinhar uns seios comprados num caro cirurgião. O cabelo preto caia-lhe sobre os ombros em cachos de caracóis e serviam de desculpa para ela se abanar para além do necessário.
- É a Carla e o marido. Ele é um cliente fiel e rentável, uma vez que detém imensas empresas de turismo com quem temos vários protocolos. – Bernardo um pouco mais refeito do choque, continuou. – Enviámos um convite para o baile por educação, mas nunca imaginei que viessem.
- Não lhe ligue. Não pode deixar que eles o afectem dessa maneira.
- Eles não me afectam nada. Ela é que me afecta… E se queres que te diga Diana, neste momento sinto-me o mais miserável dos homens. – Bernardo começou a levantar-se do seu lugar de forma pouco graciosa.
- Onde é que vai?
- Vou-me embora! Isto é demasiado humilhante!
    Diana agarrou-lhe na mão e sem vacilar conduziu Bernardo para a pista de dança. Colocou-se onde tinha a certeza que faria parte do campo de visão de Carla e colou-se a Bernardo exibindo o seu corpo magnífico e com uma sobriedade que sabia que uma mulher vulgar como Carla invejaria. Diana vigiava pelo canto do olho a reacção de Carla e gostou do que viu. Ela esforçava-se por se enroscar no marido e mostrava um sorriso fatal sem desviar os olhos de Bernardo. Diana interpretou os seus gestos como insegurança e quando viu o desespero reflectido no olhar daquela mulher, Diana envolveu mais Bernardo e encostou os seus lábios ao dele, despertando em Bernardo a vontade de prolongar aquele acto. Foi um acto de amizade visto com a inveja de Carla e com a mágoa de Duarte que entrava na sala naquele exacto momento, afastando-se logo de seguida daquela cena que lhe atormentava a mente e da mulher que tanto amava…